*Rangel Alves da Costa
A noite
sertaneja sempre chega mais cedo. O anoitecer desponta quase à mesma altura do
por do sol, eis que não há um limite normal de passagem de dia: quase sem boca
da noite, depois da tarde a noite já chega.
Igualmente
acontece ao alvorecer. No sertão mais autêntico, aquele dos afastados da
cidade, a manhã é coisa quase inexistente, pois o sertanejo levanta ainda na
escuridão e já se encaminha para os ofícios do dia, sem se alongar nos
pormenores daquilo que se tem como manhã.
Quatro da
manhã e já há cheiro de café no fogo, já há chiado de tripa torrando, já há
aroma de cuscuz subindo aos ares. Quando não assim, por falta das iguarias,
também nessa hora do dia a farinha com pedaço de quase coisa vai sendo
saborosamente engolida, sempre com uma canequinha de café.
Depois dos
ofícios do dia, quando o homem da terra retorna de sua labuta debaixo do sol ou
da chuva, a comida sempre se repete, porém acaso o que restou do meio-dia não
dê para o prato. Pão é coisa mais da cidade. O pão comprado em dia de feira, em
sacola grande, geralmente não passa do terceiro dia.
Pão
guardado dentro da lata de farinha, de modo a não envelhecer e mofar cedo demais.
A meninada gosta que só. Menino nunca tem luxo na hora da fome. Gosta de pão
seco, pão com manteiga e café, pão com caldo de carne, pão com uma nesguinha de
queijo dentro. Doloroso e triste é quando não há nada para oferecer aos
pequeninos na hora do “de comer”.
E assim
acontece muito mais do que imagina a população citadina. Já passado das seis da
noite e em muito lugar há muita barriga roncando, há muito bucho vazio, há
muito menino chorando, há muita criança se derramando em lágrimas. E pais aflitos,
desesperados, sem saber o que fazer. Cata ali, cata acolá, vira e revira
panelas e latas e nada.
Quem dera
dois ovos para dividir com quatro filhos. Quem dera uma farinha de milho. Mas
às vezes não há nada mesmo. Que situação, meu Deus! Como pais reagem perante a
fome de filhos? Como pais enfrentam a voz pedindo comida, a lágrima descendo
faminta, a agonia naqueles que só pensam em ter um pedaço de pão? Só Deus sabe
como sofrem esses pais.
E só Deus
o milagre que pode acontecer diante de tal situação, pois é Ele, Deus, que
sempre opera o milagre nas horas mais necessitadas da vida. O que faz, então? O
milagre acontece numa comida inventada no inexistente, o milagre acontece num
vizinho que bate à porta, o milagre acontece num pai que humildemente vai bater
numa porta em busca de um auxílio.
Mas sempre
acontece um milagre, ainda que dia após dia o milagre da sobrevivência vá se
tornando cada vez mais difícil de ser conseguido. Então olhem para o relógio e
vejam a hora. Quase sete da noite desta terça-feira de maio. No Alto de
Tindinha, no Alto de João Paulo, nas Queimadas, nas Areias, nos Assentamentos,
nos rincões próximos e mais distantes, o cheiro de comida já passeou pelos
lares.
A partir
de agora, acaso o sono não chegue tão cedo, algumas cadeiras estão sendo
colocadas nas varandas, nas frentes das casas, pelas malhadas. A lua grande
está bonita, poética, bem sertaneja. Mas - e disso tenham certeza - muita gente
ainda não comeu, nada comeu. E simplesmente por falta de alimento. Só resta
esperar o milagre sagrado. Ele vai acontecer.
Mas dói
demais. Dói demais saber que muita fome terá que se contentar com um nadinha de
pão ou um punhadinho de farinha seca com pedaço de qualquer coisa.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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