*Rangel Alves da Costa
Dois fatos
interessantes envolvendo cangaceiros. O primeiro dizendo respeito à cangaceira
Adelaide, morta debaixo de um umbuzeiro na região do povoado Curituba, em
Canindé de São Francisco, e enquanto era conduzida em rede após ter perdido a
criança que ainda continuava em seu ventre. E o segundo relaciona-se aos
soldados Tonho Vicente e Sisi, emboscados e mortos pelo subgrupo de Corisco,
nos arredores da Estrada de Curralinho, em Poço Redondo, em ato de vingança
pela morte do cangaceiro Pau Ferro.
Pois bem.
O local onde Adelaide, cheia de dores e sofrimentos, deu o seu último suspiro,
atualmente é conhecido como Umbuzeiro da Bandida, enquanto que ao redor do
bonome onde os soldados foram trucidados, que bem poderia ser conhecido como
Bonome dos Soldados, o reconhecimento é totalmente diverso daquele considerado
com relação a Adelaide.
Ora,
estranho que assim aconteça. Pelo nome que atualmente se dá ao local da morte
da cangaceira, Adelaide não passava de uma feroz bandida, pois Umbuzeiro da Bandida
é a denominação passada de boca em boca. Contudo, há de se conhecer as
circunstâncias de sua morte para que se compreenda o exagero na denominação.
Na
concepção popular, cangaceiro é bandido mesmo e não há como afastar essa ideia.
Há de se considerar, porém, que Adelaide sequer estava no ofício cangaceiro
quando suspirou pela última vez. Companheira do cangaceiro Criança, grávida já
no último mês de gestação, estava sendo levada numa rede, toda inchada e
dolorida, já com o filho morto na barriga, para a Curitiba, vez que as
parteiras da Planta do Milho já haviam constatado a morte da criança ainda no
ventre materno.
Portanto,
Adelaide não morreu combatendo, não morreu no ofício cangaceiro, mas tão
somente como uma pobre desvalida e cheia de sofrimentos. Naquela situação,
Adelaide não era sequer companheira de cangaceiro senão uma moribunda em seus
últimos laivos de vida. E por que, então, aquele local de sua morte, passar a
ser conhecido como Umbuzeiro da Bandida?
Tal fato
somente acontece quando o povo escolhe e mitifica seus heróis, ainda que não
conheça a realidade dos fatos. E a mitificação, divinização ou devotamento,
surge exatamente da visão que o povo tem de sua própria realidade. Neste caso,
o simples fato de ser cangaceira tornou Adelaide em bandida comum. No caso dos
soldados, o fato de serem inocentes e terem tido morte tão cruel, logo faria
surgir um sentido de compaixão. Daí o devotamento.
Por serem
inocentes e terem sido chacinados por Corisco e seu grupo, os soldados Tonho
Vicente e Sisi passaram a ser vistos até como milagreiros. Tanto assim que as
Cruzes dos Soldados, debaixo do frondoso bonome, é local de devoção e
promessas, com ex-votos sendo avistados aos pés das duas cruzes. Embaixo do
umbuzeiro onde Adelaide morreu há também uma cruz e dizem que muitos acorrem ao
local para orações. A cruz primeira foi fincada pelos próprios companheiros e para
sinalizar o local daquele triste fim, pois o corpo da cangaceira foi enterrado
no cemitério de Curituba. A cruz colocada depois certamente foi obra de algum
conhecedor dos sofrimentos da filha de Lé Soares da Maranduba.
Mas por
que nome tão pejorativo ao local, se ali morreu apenas uma pobre e agonizante
mulher, e não uma perigosa bandida como se deixa depreender pela injusta
denominação? Como dito, apenas escolha popular. Um povo que mitifica seus
heróis segundo desejo próprio e não segundo a realidade dos fatos. Com isto,
porém, não se quer dizer que os inocentes soldados mortos não mereçam ser
reverenciados e até devotados, mas também se exagera ao adjetivar Adelaide como
uma simples bandida. Talvez o nome mais correto fosse Umbuzeiro de Adelaide, ou
mesmo Cruz da Cangaceira.
Contudo,
lá está, na região da Curitiba, o marco de uma triste realidade vivenciada por
uma mulher que, grávida, perdeu sua vida após já ter perdido o seu filho.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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