*Rangel Alves da Costa
A casa está fechada. Porta fechada. Janela
fechada. Não se sabe desde quando a casa está fechada, mas somente agora esta
percepção.
Talvez já desde muito que ela está assim,
cem, mil anos ou mais. Ou mesmo um ou dois dias. A verdade é que as pessoas só
avistam aquilo que lhes aproveita.
E qual proveito de uma casa fechada? Uma casa
numa rua, uma casa já desgrenhada de tempo e agora fechada. Mas existem muitas
casas assim. E as pessoas passam e olham.
Uma mansão certamente não passaria
despercebida. Igualmente se ao lado ou adiante existisse um jardim suntuoso.
Mas ali não existia nem riqueza arquitetônica nem jardim.
Casa muda, silenciosa, sem visitantes, sem
ninguém que entre ou saia. Também a ventania não açoita para abrir e fechar.
Apenas a casa em sua inércia de tempo e de solidão.
Muitas vezes, as casas fechadas e abandonadas
são abertas pela ventania. De repente e a porta e a janela se abre e se fecham
para a entrada de folhas secas, garranchos e restos soltos.
Mas não nesta casa. Que estivesse fechada a
dez mil anos ou três dias, a verdade é que nem sua porta nem sua janela jamais
foram abertas. Lá dentro apenas as velharias deixadas.
Quem morava ali, qual família tinha ali sua
vida, quantas pessoas ali conviviam, quais suas motivações de viver, o que
enlaçava a vivência familiar e o que permitiu ou forçou a partida?
Ninguém diz nada sobre isso. Certamente que
os mais velhos, os vizinhos e outras pessoas, conhecem alguma coisa daquela
família e de seus membros. Mas ninguém diz nada sobre isso.
Talvez aquela janela já tivesse servindo aos
sonhos e devaneios de alguma bela donzela, Ali debruçada, suspirava seus
sonhos, suas fantasias, suas quimeras da idade. Será que existiu mesmo?
Talvez aquela calçada já tivesse recebido
muitas cadeiras para os proseados ao entardecer. Amigas e vizinhas dedilhando
prosas enquanto as brisas da tarde sopravam e passavam.
Talvez aquela porta já tivesse dado passagem à
alegria e à tristeza. Pessoas chegando da luta, saindo esperançosas, num vai e
vem apressado e necessário. Para depois, num dia qualquer, ser apenas fechada.
Fechada e talvez para sempre. Imagina-se até
que a casa pode um dia se tornar escombros sem que jamais aquela e porta e aquela
janela sejam novamente abertas. Restos caídos, apenas.
A casa continua fechada. As pessoas passam,
vão e voltam, e até muitas vezes por sua calçada, mas ninguém sequer dá conta
de sua existência, ao menos para olhar pelas frestas ou perguntar sobre o
abandono.
É uma casa que existe, mas também como uma
casa inexistente. Pelo que se observa agora, ela em pé ou caída terá a mesma
valia perante aqueles que passam. Ninguém sequer quer saber a quem pertence
aquela casa.
Mas somos também uma casa fechada, abandonada,
desvalida. Somos também uma casa de pouca valia ao olhar de muitos. Somos
aquilo que tanto faz estar em pé como já caídos aos pedaços.
Ao menos assim acaso não vivamos de ilusões.
Se forjarmos mansões inexistentes, certamente seremos sempre avistados e
comentados. Contudo, quando não passamos apenas de uma casinha humilde e
simples, então será um tanto faz que exista ou não.
Melhor assim. Que nossa casinha continue
fechada. E que dentro dela, mesmo na humildade, viva uma imensa felicidade.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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