*Rangel Alves da Costa
Ali ou
acolá. Na lonjura ou mais distante ainda. Ou pertinho de tudo, bastando sair da
cidade. Seguindo adiante, uma curva e outra, e da estrada logo se avista um
mundo.
Mundo de
chão, de terra batida, de pedra miúda e espinho pontudo entremeando a vereda.
Mundo estranho demais ao citadino, quase um viver jamais imaginado pelo de
fora.
Um pé de
catingueira ao redor. Tufo de mato e loca de pedra. Calango que sobre e desce
balançando a cabeça. Um umbuzeiro grande na malhada. Cheiro de café torrado.
Sim, pois
um mundo assim possui um cheiro de diferente. Cheiro de café torrado e batido
em pilão. Café preparado em fogo de lenha. Um aroma que faz delirar.
Cheiro
também de toucinho de porco chiando na frigideira. Junto com o cuscuz, não há
nada melhor que toucinho misturado com ovos de galinha de capoeira. Tudo na
banha.
O silêncio
parece tomar conta de tudo. As galhagens secas farfalham suas dores de
enfraquecimento. A ventania vai levando restos pelos ares. A voz do vento em
zunido.
Ao longe,
o horizonte emoldura a paisagem que vem descendo sobre a malhada. Contudo, nada
demais a se mostrar, a não ser a singela beleza desse mundo humilde.
Nada de
grandes currais, de rebanhos pastando nem alentadas pastagens. Nada de casa
avarandada, de muitas portas e janelas, de assentos forrados ou jardins
floridos. Nada disso.
Casa
miúda, sem luxo ou enfeitamento. Chão batido no cimento, na despensa um tico de
alimento, um viver apenas e para fugir do tormento.
Na mesinha
um terço de aricuri, pela janela um voar de bem-te-vi e na portada a escrita
que “Deus mora aqui”.
No umbral
a água fresca de moringa, no embornal um cantil com resto de pinga. Jarro
antigo com flor de plástico, calça afrouxada porque perdeu o elástico.
Na cama um
limpo lençol e mais abaixo um urinol. Um mundo de devoção, “Bom dia, Padim
Ciço”, “Boa noite, Frei Damião”.
Nas noites
de lua em clarão, as histórias cangaceiras de coiteiros e Lampião. No sopro do
vento a folhagem passa, a caatinga murmureja e a seca chega até a achar graça.
Mandacaru
sem flor, palma sem cor, tudo já secou. Gaiola sem passarinho, toco de pau em
nudez, bicho sem fazer ninho.
Calango
balança a cabeça sem acreditar. Não pode ser o que vê, tem mesmo que duvidar.
Na pia a roupa batida, água pouca e bem servida.
Mãos
calejadas de sina. Mulher-flor nos seus tempos de menina. Mas passa o tempo, a
idade se descortina. Ali no quintal o varal. Um viver para o bem, e na lonjura
do mal.
Cadeira
velha em pedestal, um radinho de pilha, vento soprando pelo varal, roupa enxuta
e esvoaçando, como vida nova na chita e no tergal.
Mas há
ainda muito a fazer. Fogão de chão acender, dar as plantas o de beber, catar a
chaleira, despejar café e deixar ferver.
O sol se apaga
como vela triste. Um resto de luz que ainda persiste qual vida sofrida que
tanto resiste. Uma esperança que nunca desiste de ter a paz em tudo o quanto
aviste.
A boca da
noite é entristecida, a saudade tanta de toda despedida. Quem estava ali já foi
de partida e quem continua pode estar de saída.
Já na
porta aberta do escurecido, uma velha canção lhe chega ao ouvido. Inexistente
canto que vem atormentar, que vem trazendo consigo todo um relembrar de
recordações das estradas passadas sem poder voltar.
Ao longe
um badalar de sinos Mas antes que a lua desça, que de vera a noite anoiteça, a
fé para guiar os destinos.
De rosário
à mão, em cada conta um pedido, somando a conta de tudo, e tudo pedindo a Deus
por um sertão menos sofrido.
Assim num
sertão. Assim num tempo de sertão!
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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