*Rangel Alves da Costa
Semana passada, andando com o amigo Belarmino
pelos noturnos de Poço Redondo, paramos na calçada de Lídia para dissipar
algumas dúvidas que havíamos encontrado enquanto conversávamos sobre alguns aspectos
históricos locais. Na calçada, além de Lídia bem sentada na sua cadeira (e de
vez em quando fingindo que cochilava), sua irmã e mais Mazé de Hélio, que por
ali chegou para um breve proseado. Aliás, a calçada de Lídia é um verdadeiro
livro aberto sobre o passado poço-redondense. E por isso mesmo que sempre estou
por ali cutucando o passado através da voz dos outros.
Nossa intenção maior era saber onde o
ex-cangaceiro e político José Francisco do Nascimento, o Zé de Julião ou
Cajazeira no bando de Lampião, havia sido sepultado quando de sua morte por
assassinato em 1961, se no cemitério de Poço de Cima ou no cemitério da cidade.
As dúvidas continuaram, mas não demorou muito para que dois outros moradores,
um casal de residência nas proximidades, asseverasse que o filho de Julião do
Nascimento e famoso poço-redondense, havia sido sepultado no cemitério da
cidade.
Contudo, falando nos cemitérios existentes na
cidade, logo surgiram informações acerca de campos-santos destinados somente ao
sepultamento de crianças. Mazé de Hélio lembrou bem que no passado era comum a
morte de crianças logo após o nascimento ou mesmo algum tempo depois, e tudo
ocasionado pelas epidemias que proliferavam em maior quantidade e a falta de
atendimento médico regular. Afirmou ainda que ela mesma havia perdido um filho
em tais condições. Desse modo, devido ao grande número de crianças falecidas,
geralmente os infantes eram sepultadas em cemitérios destinados exclusivamente
aos “anjinhos”.
E uma explicação para a existência de tais
cemitérios dos anjos, conforme comumente se conhecia. Ante o grande número de
mortes de crianças e o pequeno tamanho dos cemitérios comuns, vez que na cidade
de Poço Redondo havia apenas dois (o de Poço de Cima e o dos arredores da
cidade), talvez os locais não suportassem tamanho fluxo de sepultamentos. Daí
que as crianças passaram a ser sepultadas em locais outros, em covas diminutas
e apenas com as indicações dos nomes cravados em cruzes. Muitas vezes, a idade
não permitia sequer que já tivesse havido a escolha do nome ou registrado o
nascimento.
Segundo as afirmações surgidas na calçada de
Lídia, em Poço Redondo havia basicamente dois cemitérios de anjos, um bem ao
lado da região central da cidade, nas atuais proximidades da esquina das ruas
Deputado Djenal Tavares e José Francisco do Nascimento, e outro nas
proximidades do Alto de João Paulo. Certamente que outros campos-santos de
anjos existiam por todo o município, mas na cidade estes dois faziam parte do
cotidiano da população, principalmente aquele que hoje, se preservado
estivesse, estaria praticamente no centro de Poço Redondo.
Indagadas sobre o fim desses cemitérios de
anjos, responderam apenas que o progresso passou por cima das sepulturas e
atualmente nem sombras existem mais. O da cidade, por exemplo, certamente foi
aterrado pelas construções que foram surgindo. Com as novas ruas abertas e a necessidade
de construção de casas, sequer se importaram com a existência daqueles infantes
no passado ali sepultados. E não há que duvidar que as ferramentas abrindo a
terra para construção de alicerces, igualmente encontraram os restos daqueles
pequeninos, ainda que já diluídos pelo tempo e em pó novamente tornados.
Com relação ao cemitério nas proximidades do
Alto de João Paulo, em localidade que no passado fazia vizinhança com um
terreno pertencente ao saudoso Delino, este, por ficar localizado em área
ladeada pelo mato, certamente foi destruído pelas máquinas e deu lugar a plantações
e pastagens. Os restos da infância mais tarde se transformando em adubo, em
alimento a terra, porém sem jamais ter sido reconhecida sua importância
enquanto moradia última de anjos e das famílias que para o local conduziram os
seus.
Depois desses diálogos, eu e Belarmino
ficamos nos perguntado se as pessoas que atualmente possuem suas residências
naquele local da cidade possuem a ideia de onde suas casas estão assentadas, em
cima de que elas foram construídas. E mais: fatos estranhos não acontecem
naquele local e que até hoje os moradores não conhecem as motivações? Desde
muito que falam de uma criança que altas horas da noite e pela madrugada é
avistada na região onde existia o Tanque Velho, e que não é longe do antigo
cemitério, e tais aparições não teriam relação com o destruído repouso dos
anjos?
Muitas indagações ainda provocam a
curiosidade. A verdade é que tais cemitérios existiram e que os anjos, mesmo
subindo aos céus, jazem sob os escombros de agora.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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