*Rangel Alves da Costa
O sertão já foi muito diferente do que é
agora. O sertão já foi sertão num que não existe mais. Tudo passa, tudo se
transforma, tudo toma outra feição, e com o sertão não foi diferente.
Certamente que existem ainda resquícios daquele passado sertanejo, mas tão
raramente encontrados que hoje são vistos como relíquias.
Ninguém imaginaria que os novos tempos ainda
resguardassem a inteireza do passado sertanejo. Para uma ideia, casebres de
barro hoje em dia são pouco encontrados. Aquelas casinhas de barro, cipó e
ripa, somente num canto ou outro são avistadas. Igualmente aquele jeito humilde
e singelo de ser de sua população.
Muito já não existe. Ou quando existe se
assemelha a objeto de recordação e nostalgia. Pote de barro em cima de trempe,
moringa refrescando a água na janela, fogão de lenha cavado no quintal, purrão
pra juntar água de chuva, arupemba, ralador de milho para cuscuz, queijo de
quintal, manteiga de garrafa também feita em quintal coalhada de leite gordo,
panelada de doce de bola, bolo e pão de forno de lenha, pilão pra pisar café e
arroz, café fervilhando em chaleira, remédio de planta de canto de quintal.
O menino não brinca mais de ponta de vaca. A
menina não brinca mais de boneca de pano. O garotinho não sai mais puxando seu
carrinho de madeira. Não há mais boi e cavalo de barro. Não há mais brincadeira
de bola de gude nem de cavalo de pau. A meninada não brinca de ciranda de roda
em noites de lua grande, cheia, bonita. O vaga-lume já não passeia na escuridão
dos arredores. Não há mais candeeiro para ser aceso à boca da noite nem lamparina
a gás. O tamborete de madeira também quase não existe mais. O radinho de pilha
já não tem a serventia para espantar a solidão como antigamente.
No sertão tudo mudou. O passado agora é
relíquia. Daí a necessidade de se preservar os objetos e mobiliários antigos,
como as mesas de madeira de lei, os oratórios, as cristaleiras e os
guarda-comidas. O mesmo se diga com relação às memórias familiares, os marcos
de gerações que não devem ser totalmente perdidas ou apagadas. Os retratos
antigos, em preto e branco ou já amarelados, ainda assim se tornam como um
importante e fundamental reencontro com as antigas raízes, as gerações passadas
e as primeiras.
Para que
servem os retratos? Para que servem as velhas e amareladas fotografias? Tudo,
menos para o abandono, o esquecimento e o tanto faz de sua existência. Que se
tenha em mente um velho retrato. Um retrato de família reunida ou mesmo de pessoas
nos seus ofícios antigos. Basta uma ligeira passada no olhar para sentir quanta
significação. Num sertão do passado, amigos reunidos em local qualquer.
Pessoas
que já partiram e também de viva presença. Numa só moldura, num só instantâneo
de vida e para a posteridade, nada menos que um mundo sertanejo de renome e
galhardia: Dona Filó em família, Titonho usando calça de boca de sino, Marieta
usando um chalé antigo, meninos correndo atrás de bola de meia. Cada um com sua
glória e sua história. Cada um de tanta importância no mundo sertanejo. E
todos, um dia, sob o solo sagrado de algum sertão.
E por isso
mesmo tais retratos se eternizam na parede da memória e da história,
envernizado pelo prazer do avistamento e pelas lágrimas da saudade, exposto
eternamente perante os olhares que valorizam e reconhecem a pujança daqueles
que engradeceram o nome de sua comunidade e do mundo-sertão, que fizeram os
seus passos, a cada passo. Beraldo com aquela feição amigueira que lhe era tão
peculiar. Coriolano despojado de suas vestes de vaqueiro e de carreiro,
parecendo até arrumado demais para uma festança. Chiquinha da Cocada toda cheia
de vestido de chita.
Também um
retrato de uma rua empoeirada que mais parece uma estrada. Quem diria que hoje
a mais importante avenida do lugar. E assim com a calçada de Luzia, que não
existe mais e o umbuzeiro na malhada de Tinoquinho. Hoje não existe mais, mas o
retrato comprova que sim.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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