*Rangel Alves da Costa
“Sou de
mintira não, seu moço. Na verdade verdadera, pago dobrado e num quero troco. Só
quem vive sabe o que é viver, só quem sofre sabe o que é sofrer. Oiá nos óio
num é certeza de avistar o estambo. Oiá pa cara num é saber o que o cabra sente
pru dento. Munta gente se engana pru mode oiá sem preceber o que tá na verdade.
Munta gente pensa que ter uma casa é ter tudo, que ter um prato na mesa é ter
tudo, que ter saúde é ter tudo. Mai num é assim não, seu moço. Munta coisa
tomem é munto ou mai importante. O respeito, a consideração, o jeito que trata
a gente, faiz munta diferença. Arguns, é verdade, inté trata nóis cuma se fosse
iguar. E nóis é mermo tudo iguar a todo mundo. Mai outos num pensa assim não.
Pruque é pobe entonce num presta. Pruque num tem carro entonce é sem valia.
Pruque num anda de roupa nova nem bonita entonce num pode nem tá no meio deles.
É cuma se a gente fosse bicho ruim, imprestave. Nóis é pa viver numa vida mió.
Mais num vive pru causa desse oiá atravessado na gente. Se é pobe deixa pa lá,
pa se virar cuma puder, pa morrer cuma quiser. Tarvez trate mió o bicho do que
a gente. Ora, o bicho é dinheiro, é valor, é riqueza. E nóis, nóis o que é?
Nóis é pa vive cum pé na cova, assim eles pensa e quer. Só pode ser assim. Nada
é mai esquecido que nóis. Nóis num tem outa serventia a não ser servir. Prantá
pa encher a barriga deles, servir de escravo pa eles, fazer tudo o que eles
mandar. E adespois abaixar a cabeça dizeno que tá bom. Mai num tá bom não.”
“Sim,
sinhô. Pru mode dizê tem de tudo. Arrebenta e esquarteja pru dento, mai num se
deve negá não. Pru que negá se tudo num dexa mentí? Sim, seu moço, a gente vive
num mundo de seca triste sem fim. Num há um só dia no sertão adonde a seca
triste num caia pru riba de nóis. A seca triste tomem no tanque cheio, na
boneca de mio. Um mundo nublado demai merma sem nuve lá em riba. Oiá da maiada e
só avistá desalento. Um bicho berra, uma galinha cisca. Quano morre um entonce
a gente chora a vida intera. Tudo aqui é como um luto sem fim. O sertanejo inté
parece feito com lágrima nos óio e maresia de suó. A gente tem alegria sim,
munto contentamento tomem. Mai o carcará e o arubu só farta querê pinicá o
tiquinho de contentamento de nóis. Entonce, pru mode dizê, num é só a seca da
farta de chuva que é triste não. Há uma seca que nunca acaba. Oi, seu moço, pa
mode falá em seca num é só fala em farta de parma, em pasto derreteno no fogo,
em tanque no barro duro, em bicho no couro e osso ou já caído pros carnicento.
Não. É munto mais. Aquerdite, seu moço, que num há seca mai triste que a seca
da desvalia, da percisão, da necessidade. Munta gente pensa que seca é só farta
de chuvarada, de comida pro bicho e gente e a secura do tanque. Oiano direito,
há seca maió que o esquecimento, que o fazê de conta que a seuventia do povo é
só na hora de votá? Há seca mai danada que fazê de conta que nem ixiste o povo
pobe que vive no mato? É a seca do abondono, sim sinhô. Tem uma seca chamada
umiação que é a que mai dói. Num se devia umiá ninguém não, poi todo mundo fio
de Deus. Mai o que mai tem é umiação. O povo da cidade oia pa gente cuma se
fosse do outo mundo. Uma mão num é istendida e nem um bom dia é dado. Tudo isso
é umiação. Pur isso que mermo na chuva grande a seca continua. Pur isso que
mermo cum a pranta nasceno e munta água no barrero, num deixa de ter seca não.
A seca é essa merma que eu dixe. É a seca de um sertão pareceno de porta
fechada pros da cidade. Ninguém vive nossa vida pa sabê cuma ié. Só a gente
sabe o que passa e o que sente. Mai todo mundo iguar a todo mundo. Omeno ansim
devia de ser, num é? Entonce a seca maió é essa, a seca do fazê de conta que a
gente num ixiste. Mai num há vida mió do que essa não, seu moço. Da porta da
frente adento tudo que a gente percisa. Tem candiero, tem pote e muringa, tem
fogo de lenha, tem panela de barro e arupemba. E tem munto mai. A gente tem a
filicidade e o gostá de vivê desse jeito. A gente sofre com a seca da farta de
chuva, mai sofre munto mais cum os outo tipo de seca. Mai que ansim seja. Na
grandeza de Deus, do meu Padim Pade Ciço e Frei Damião, a gente vai levano a
vida. Tudo cuma rosaro de fé, pelas mão de Nosso Sinhô!”
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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