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segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

DIÁLOGO DE CANGACEIROS (Crônica)

DIÁLOGO DE CANGACEIROS

                                                                               Rangel Alves da Costa*


A luta deu uma trégua. Pausa de meia hora apenas, com todos cansados da correria, do embrenhamento no meio dos matos, na incessante fuga para novas estratégias de defesa e ataque.
O Capitão acabou confessando que o seu bando havia debandado sangrando na pele por culpa de alguns que teimavam em não prestar atenção no que dizia. Impossível que cabra vivendo na mataria, conhecendo veredas e cada ponta de espinho, se descuidasse das artimanhas do inimigo.
Não havia como aceitar que o grupo se dispersasse em nenhum momento, com cangaceiro se atrasando no caminhar e outro querendo seguir por vereda diferente. Logo ali que sabiam da proximidade da volante, da certeza que a macacada poderia começar a disparar a qualquer instante por detrás de uma pedra, de uma moita, de um serrote.
Foi por isso que Tiziu teve o chapeu de couro estrelado resvalado pelo fumo do mosquetão. Biribeira foi ferido na perna e Quixame quase se despede da vida. Nunca mais fizessem isso, pois o bom costume cangaceiro ensinava que o grupo andasse unido na parte detrás, silenciosamente por entre a mataria, enquanto algum cabra era escolhido para fazer a vistoria mais adiante. Quando o cancão piava já se sabia de tudo.
Besteira de todo mundo e até do próprio Capitão, ele mesmo reconhecia. Meia hora atrás e uma chuvarada de bala zunindo por todos os lados, coisa de parecer pelotão de mais de cem homens. Mas que nada, apenas cinco cabras da volante que tiveram de atirar para não morrer, coisa que não conseguiram. Iam se juntar com a tropa do outro lado do rio e deram azar de cruzar o caminho do bando do Capitão.
Não era porque os cinco ficaram lá estendidos por cima de mandacarus e xiquexiques que aquela empreitada havia sido sucesso não. De jeito nenhum. O pequeno grupo, mesmo amedrontado de lascar, havia sido valente demais, destemido até não poder suportar a guerrilha cangaceira. Ainda assim derramaram as armas pra qualquer direção e quase fazem um estrago danado.
O silêncio raivoso do capitão já dizia tudo. O homem estava com cara de poucos amigos e acenando que logo mais teria uma conversa séria com todo mundo, bastando se amoitar num cantinho e preparar folhagem medicinal para cuidar dos feridos. Por isso mesmo que todo mundo ficou caibreiro, amedrontado, temendo o que sairia da boca do comandante maior do sertão.
Bonome, cangaceiro conhecido por gostar de fazer presságio, querer adivinhar o futuro, logo chamou Terto num canto e começou a segredar. E disse que das duas uma: ou o Capitão iria fazer a terra tremer ou aconteceria o pior, que era ficar em silêncio. E o outro não entendeu nada, mas logo perguntando por que se o homem ficasse calado seria melhor.
E Bonome prosseguiu, tentando dar claras explicações. E asseverou que se o silêncio fosse o preferido era porque o Capitão estava desgostoso demais com aquela vida, com aquela sina de viver de lado a outro tendo que matar pra não morrer, perseguido como uma fera ruim e tentando passar a ideia de que não comandava apenas um bando de matadores e arruaceiros, mas de pessoas vitimadas pelas injustiças sociais. E por isso mesmo fazia da luta cangaceira o seu grito maior contra todas as tiranias.
E disse mais que o se o chefe permanecesse carrancudo, sem dizer palavra, apenas assuntando com a natureza ao redor, era sinal de que não demoraria para uma mudança muito importante ser empreendida. Muita coisa poderia acontecer, mas no seu entendimento o bando seria disperso, desfeito, com cada um seguindo o seu destino, ou ele empreenderia a luta maior de sua vida, a mãe de todas as batalhas, para não deixar mais dúvida de quem mandava mesmo naquele sertão nordestino.
Mas não teria sentido algum vencer, pois a vitória seria a mesma derrota, a conquista não traria paz ou benefício algum, seria apenas um gesto simbólico para dizer que o cangaço pôde ir até onde quis. E depois? Em seguida a sina dos bandidos, do enclausuramento, da segregação, do apodrecimento nas prisões da história, pois os cangaceiros nunca deixariam de trazer consigo a feição da perversidade, da maldade, da bandidagem, ainda que a justeza do homem seja distorcida pelo conceito que o dito honrado faz.
E Lampião preferiu o silêncio. Sabia que também tinha erros demais para ignorantemente tentar corrigir os outros. Não adiantava dizer mais nada. Já sabia de tudo, sabia o que aconteceria a qualquer instante. Preferiu o silêncio até que o grito chegasse.




Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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