ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: VOVÓ E VAVÁ
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que numa cidade interiorana, dessas que ninguém ouve falar nem de nome, morava uma vovó solitária, viúva de mais de dez anos, dessas que levam a vida a fazer praticamente nada.
Nos termos da verdade, fazia sim, mas apenas cuidar rapidamente da casa e depois sentar na cadeira de balanço estrategicamente colocada bem ao lado da janela. Mais tarde, quando o sol aliviava e começava a descambar, lá ia a viúva com sua cadeira pra calçada.
Morando sozinha, somente o seu neto do meio não deixava de visitá-la todos os dias. Chegava ali, zanzava de um lado pra outro, experimentava um pedaço de bolo, perguntava se ela estava precisando de alguma coisa, recebia uma moeda e ia embora.
Contudo, o netinho começou a achar estranhas as mudanças repentinas que passaram a ocorrer no comportamento de sua avó. De uma hora pra outra jogou de lado a roupa velha, vestidão que ia muito abaixo do joelho, a chinela quase sem sola, o lenço encardido e eternamente na cabeça, e começou a se arrumar de forma totalmente diferente.
Retirou do guarda-roupa vestidos bonitos que há muito não usava, tirou sandálias das caixas entocadas, revirou baús em busca de joias e quinquilharias e, além disso, colocou ao lado da penteadeira frascos e mais frascos de perfumes cheirosos demais. Ademais, tirou o espelho mediano da parede do quarto e no local colocou outro que quase espelhava o seu corpo inteiro.
O netinho chegava, achava tudo estranho demais, porém preferindo guardar a curiosidade. Mas abriu a boca e perguntou se a boa velhinha se arrumava tanto era pra ir à igreja todos os dias, e quase o dia todo. Ela sorriu e respondeu que não, dando um suspiro de contentamento em seguida.
E agora não queria sair mais do umbral da janela, dando voltas pela calçada e arredores, toda pronta e perfumada, brilhosa que nem fulô, e olhando avidamente pra um canto e pra outro. As más línguas diziam que ela só podia estar caducando, pois de vez em quando se via ela soprando beijo pro vento.
Mais estranho ainda para o netinho quando começou a ser mensageiro da transformada senhora. Bastava chegar ali e ela embrulhava uma compota de doce, a metade de um bolo, uns pasteis de forno, pãezinhos de nata ou outra coisa qualquer, e mandava o netinho entregar a um rapaz solteirão que sempre era avistado por perto.
Depois de alguns dias fazendo a entrega, o menino resolveu acabar com a curiosidade e perguntou à avó por que ela mandava tanto embrulho e tanta coisa pra Vavá Tristeza, pois era assim que chamavam às escondidas o solteirão. E a velha senhora, suspirando e olhando para os lados da praça, foi logo respondendo:
“É que a vovó gosta do Vavá. E se Vavá gostasse também da vovó, mais tarde o Vavá ia ser também seu vovô”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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