SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

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quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

SE ACASO ME QUISERES... (Crônica)

SE ACASO ME QUISERES...

                                     Rangel Alves da Costa*


Meu sublime, belo e eterno desejo, se acaso me quiseres vou rasgar a página de Neruda e fazê-la passar ao entardecer, esvoaçante ao sopro do vento, diante do teu olhar na janela:
“Talvez não ser/ é ser sem que tu sejas/ sem que vás cortando o meio dia com uma flor azul/ sem que caminhes mais tarde pela névoa e pelos tijolos/ sem essa luz que levas na mão/ que, talvez, outros não verão dourada/ que talvez ninguém soube que crescia como a origem vermelha da rosa/ sem que sejas, enfim/ sem que viesses brusca/ incitante conhecer a minha vida/ rajada de roseira, trigo do vento/ E desde então, sou porque tu és/ E desde então és sou e somos.../ E por amor/ Serei... Serás... Seremos...” (Talvez).
Se acaso me quiseres, luz mais bonita dessa tarde e sempre, ainda na janela farei com que um bardo passarinho, um trovador amante igual a mim, passe diante de ti num lento voo e recite o Soneto XVIII de Shakespeare:
“Se te comparo a um dia de verão/ És por certo mais belo e mais ameno/ O vento espalha as folhas pelo chão/ E o tempo do verão é bem pequeno/ Ás vezes brilha o Sol em demasia/ Outras vezes desmaia com frieza/ O que é belo declina num só dia/ Na terna mutação da natureza/ Mas em ti o verão será eterno/ E a beleza que tens não perderás/ Nem chegarás da morte ao triste inverno/ Nestas linhas com o tempo crescerás/ E enquanto nesta terra houver um ser/ Meus versos vivos te farão viver”.
E ao sair da janela, levemente embevecida pela poesia emanada da natureza, o olhar ainda encontrará em cima da escrivaninha um velho livro de páginas marcadas com folhas secas. E se acaso me quiseres, se tiveres saudades de mim, lá estará Vinícius esperando para um último verso:
“Amo-te tanto, meu amor... não cante/ O humano coração com mais verdade.../ Amo-te como amigo e como amante/ Numa sempre diversa realidade/ Amo-te afim, de um calmo amor prestante/ E te amo além, presente na saudade/ Amo-te, enfim, com grande liberdade/ Dentro da eternidade e a cada instante/ Amo-te como um bicho, simplesmente/ De um amor sem mistério e sem virtude/ Com um desejo maciço e permanente/ E de te amar assim, muito e amiúde/ É que um dia em teu corpo de repente/ Hei de morrer de amar mais do que pude” (Soneto do Amor Total).
Neruda, Shakespeare e Vinícius cantaram o meu canto para que ouvisse a voz do amor. E se acaso me quiseres, ainda que não possa ultrapassar as palavras doces e sinceras do tempo, juro que escreverei pela vida o mais belo livro de poesia que possa existir: o verdadeiro verso que brota do coração.
E o pensamento bom que guardo sobre nós dois é a inspiração maior para tudo que virá. A primeira palavra terá a sua feição e tudo que faça lembrar o significado da sua existência; o primeiro verso será de olhar adiante, de mão estendida e de esperança de recompensa; o segundo verso terá calor de abraço e de passo pela estrada, de mãos dadas em busca da felicidade.
Depois da primeira estrofe já não estaremos na visão dos que nos viram apenas como impossibilidade. Estaremos distantes, procurando escrever conjuntamente outras linhas para os infinitos versos. Porque vida merece um poema, a felicidade merece uma poesia, o amor requer o mais belo dos versos, a amorosa e compreensiva convivência exigirá uma rima perfeita com a existência.
E porque nosso livro jamais estará completamente escrito, pedirei emprestado um verso camoniano:
“Amor é fogo que arde sem se ver/ É ferida que doi e não se sente/ É um contentamento descontente/ É dor que desatina sem doer/ É um não querer mais que bem querer/ É solitário andar por entre a gente/ É nunca contentar-se de contente/ É cuidar que se ganha em se perder/ É querer estar preso por vontade/ É servir a quem vence, o vencedor/ É ter com quem nos mata lealdade/ Mas como causar pode seu favor/ Nos corações humanos amizade/ Se tão contrário a si é o mesmo Amor?”.
Mas se acaso não me quiseres me fartarei ainda mais do amor que sinto. Já que não poderei dividir contigo, amarei sozinho esse imenso querer. Até que um dia venha reclamar sua parte.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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