ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: A CARTINHA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Num lugar bem distante, mundão mesmo de meu Deus, morava um povo pobre, vivendo basicamente do trabalho braçal na roça, entregue a sorte das chuvas e das estiagens. Não havia nem posto médico nem escola, quando muito uma vendinha de farinha e jabá. Desse modo, todo mundo que nascia ali morria analfabeto, sem saber escrever ou ler uma linha sequer.
Mas um dia chegou ao lugar uma família forasteira, gente que já vinha fugindo da seca em outra região. E essa família era formada pelo casal e uma mocinha linda, na idade dos seus dezessete anos. E essa criatura, porque sabia rabiscar no papel algumas palavras e ler juntando letra com letra, logo se tornou quase uma deusa, uma verdadeira rainha. Muita gente a tratava como doutora.
E na comunidade havia uma família cujo filho mais velho tinha ido tentar a sorte na cidade grande. Ao sair de casa, deixando molhados os olhos de toda família e de uma vizinha mais adiante, mulher casada e chegada aos braços do jovem, prometeu que não descansaria à noite, depois do trabalho de ajudante de tudo, enquanto não aprendesse a ler e escrever, e tudo porque queria mandar cartinhas família. Só esqueceu que ninguém ali sabia fazer um “o” com copo, muito ler qualquer coisa.
Um dia chegou uma carta e a mãe do rapaz correu chorosa até a casa da mocinha pedindo por todos os santos que ela lesse e dissesse o que havia escrito ali. E a jovem demorou uns dez minutos para ler cerca de dez linhas. Tanto era ruim a leitura de cá como a letra de lá.
No dia seguinte ganhou um queijo do coalho e uma rapadura para prestar um grande favor, que era escrever a resposta da cartinha. E a mocinha passou quase meia hora para escrever as quinze linhas, e todas cheias de saudades, de lágrimas e de volte logo para os braços da família. Chorou também ao escrever adeus.
Mas no mês seguinte a mocinha fugiu com um caixeiro viajante que passou por ali e a comunidade ficou sem a sua doutora. E eis que chegou outra cartinha e a família do rapaz ficou em polvorosa sem saber o que fazer. Abriram ao vento, colocaram o papel debaixo do sol, na luz do candeeiro, de todo jeito, e ninguém ao menos imaginavam o que aqueles garranchos queriam dizer.
E tudo tão simples, tão bonito: “Mãe, tô morreno de sordade. Ansim que eu recebê o dinhero do meis vô crompá um presentim pá senhora e vô simbora. Um bejo de sordade. Adeus. Do seu fio Zé”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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