SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

VIDA QUE SEGUE (Crônica)

VIDA QUE SEGUE

                                                   Rangel Alves da Costa*


Indiscutivelmente que as inovações tecnológicas nos auxiliam positivamente nos afazeres cotidianos. As invenções nos chegam como soluções e sempre trazem melhorias e agilidades no muito que temos a fazer em tão pouco tempo. Contudo, quando a máquina emperra e complica ao invés de ajudar, a vida em si se transforma num verdadeiro transtorno.
Eis que de repente o meu computador começou a falhar, entrou em pane e me deixou na mão. Como nunca fui de ter qualquer preocupação com coisas do tipo pen drive, transferência de arquivo e salvamento em cd, acabei sobrando, na boa gíria do vitimado pela informática. Acabei sabendo que uma placa havia sido corrompida ou coisa parecida e que igual a estágio terminal só me restava lamentar.
E o técnico – um doutor na informática com seus aparelhos de pulso e medição – foi logo me dando desagradáveis notícias. Primeiro perguntou se eu tinha muitos arquivos importantes; respondi que essenciais na minha vida jurídica e literata; fez cara feia. Depois disse que ia fazer o possível para fazer alguma coisa, mas que dificilmente conseguiria dar sobrevida ao que tanto lutei para dar vida. Quer dizer, só faltou logo dizer que tudo aquilo havia sido perdido, pois trocando uma ferramenta, um tal de hd, os meus escritos iam todos pro beleléu.
E o pior que foram. Pele menos até agora tenho poucas esperanças de ter alguma coisa importante recuperada, algo assim como textos extensos, crônicas, contos, poesias, petições, jurisprudências, correspondências, decisões e até romances que brevemente seriam publicados. O problema não é a perda dos textos em si, as páginas e mais páginas que agora navegam sem norte, mas o significado de tudo aquilo, toda aquela expressividade emotiva contida em cada linha.
Minha culpa, minha máxima culpa. Agora sei e reconheço. Já haviam me alertado sobre o perigo de confiar tanta coisa a uma ferramenta tecnológica que de hora pra outra daria problema. Contudo, como acontece com a gente que só se importa em cuidar da saúde depois da doença, fui deixando pra lá, afirmando que tudo estaria sempre em segurança. Mas de repente...
Talvez os leitores do meu blog tenham achando estranho minha ausência nesses últimos dois dias, mas juro que foi coisa de cortar coração. E juro também que tudo que acabaria repousando naquelas páginas – ou estas, pois publico agora – se perdeu naquela leva da máquina traiçoeira. Quer dizer, fiquei sem um só texto inédito, sem uma crônica ou poesia, sem nada. Para publicar tenho que me ter como artesão e forjar a criatividade da hora. Esse texto, por exemplo, nasceu assim, da necessidade de expressar esse espanto que se chama angústia.
E não somente angústia, pois também dor, tristeza e sofrimento. Ora, quantas madrugadas, manhãs chuvosas, noites de lua lá fora, e eu sentado matutando coisas simples da vida para frutificar um texto? Quantas viagens fiz, errante no passado e até no futuro, para criar, recriar ou simplesmente contar alguma coisa interessante, honesta, agradável aos olhos e ao entendimento?
Possam acreditar, mas naquela ferramenta perdida foram cangaceiros e volantes, mocinhos e bandidos, coiteiros e jagunços, coronéis e capatazes, bandoleiros e homens de triste sina; foram rastros de sangue, noites de luarada, sóis de quadrantes amedrontadores, estrelas nas testas de homens valentes. E foram manhãs, dias, tardes, tristezas, saudades, relembranças. Porque ali também estava o amor, a paixão, o querer, o bem-querer, quanto querer...
Ainda não acostumei com a perda. Prometeram-me fazer milagre, e até acredito nesse dom do inesperado. Então vamos esperar pra ver, pois não acostumei com a separação dos meus filhos, da minha linhagem, de vidas que coloquei ali. É como se a despedida fosse eterna e para renascer noutra feição só fazendo tudo de novo.
Queria apenas saber aonde anda minha folha seca, meu banco de praça, a cor trigueira da minha morena, a vida que tanto espalhei. Porque veio o vento ensinando a cimentar cada linha, a petrificar cada verso, cada parágrafo. E o vento quando quer leva e deixa apenas essa tristeza imensa, algo assim como estou agora.



Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com 

Nenhum comentário: