O QUE JÁ FIZ POR AMOR
Rangel Alves da Costa*
Hoje sou solitário, vivo sozinho, sou apenas filho do tempo e dos dias, mas para mostrar carinho, devotamento, coragem, paixão, arrebatamento, já fiz tudo por amor.
Num tempo que se amava de verdade, quando a relação era revestida de seriedade e boas intenções, valia a pena penhorar todos os esforços em nome da pessoa amada.
Por isso já fiz o que podia fazer: abracei-me ao veu da alma, enxerguei a aura ladeando o doce semblante, pensei ter a primavera, dei a flor, o carinho, o beijo, o verdadeiro amor.
Mas também já fiz besteira, menti, falseie, enganei, traí, apenas estive, apenas fiquei, cheguei com outro perfume, errei o nome na hora do abraço. Fui amante, mas também desalmado, fio que corta sabendo que vai dilacerar coração.
Mas por amor fiz muito mais...
Abri a cancela, andei bem mansinho, espantei o gato, fiz calar o cachorro, tirei a sandália e subi na janela. Caí dentro, por cima da cama e em cima dela.
Encontrei na cidade uma quinquilharia brilhando feito ouro e resolvi que aquele seria o maior presente já recebido por ela. Ela acreditou, mas nunca usou com medo de ser assaltada.
Quando uma quis me dar adeus, espalhafatosamente disse que ia me jogar do penhasco e até corri naquela direção. E ela depois me beijou.
Inventei de ser poeta e comprei um caderno novinho. Reescrevi poemas dos outros, coisas de amor e de paixão, e depois assinei em baixo. Por dias seguidos levei esse caderninho aos nossos encontros.
Quando não queria dar flor, resolvia pular os quintais e roubar frutas da estação, colocar tudo num cestinho e depois entregava com um bilhete: “Essa manga Rosa é tão doce como o seu nome, minha deliciosa Rosinha”.
Mas ela preferia frutas diferentes, tudo que via em revista ou ouvia o nome pelo rádio. Então plantei no meu quintal uva, maçã, melão e pera. Não nasceu nenhuma, mas disse a ela que por amor havia tentado o impossível.
Mas quando outra disse que ia me deixar, então quase enlouqueci. Corri pra linha do trem e lá me amarrei nos trilhos, gritando que a máquina fumacenta viesse logo para acabar com a vida de um pobre abandonado. Ela chegou a tempo, se arrependeu e me deu beijo.
Como sabia que elas não entendiam bem os presentes que eu prometia, muitas vezes assegurei que ia dar os aneis de saturno, um vestido com a cauda da via láctea, o brilho do cometa, um diamante do raio do sol, pedras preciosas das minas do rei Salomão.
Já comprei lavanda barata e cuidadosamente coloquei dentro dos frascos vazios dos perfumes chiques usados por minha tia solteirona. Se ela achava o perfume parecido com Alma de Flores, então eu dizia que seu narizinho estava acostumado demais com perfume de feira.
Comprei aneis a ciganos, tecidos estendidos no chão, bijuterias em qualquer esquina, presentinhos de qualquer valor, mas tinha estratégia para impressionar e valorizar tudo isso. Um amigo desconhecido batia à porta dela e dizia que estava vindo do exterior com aquela encomenda, e que ela fizesse o favor de me entregar. Então eu chegava e dizia que há tanto tempo havia encomendado aquele presente para a deusa maior da vida. E ela me dava um beijo apaixonada.
Mas certa vez outra bateu a porta na minha cara. Preparado para uma eventualidade assim, do lado de fora eu sujava meu braço com tinha vermelha e depois gritava que estava cortando o pulso. Assim que ela abria a porta apavorada, me encontrava de canivete na mão e a tinta vermelha escorrendo. Então ela me dava um beijo e pedia pra fazer curativo.
Mas eu não deixava não. Dizia que ia ao hospital e voltava logo. E assim aparecia com o pulso enfaixado de mentirinha. E ela me beijava de novo e colocava o meu braço no seu colo, roçando a sua coxa. E eu ainda dizia que tivesse cuidado porque ainda estava doendo muito.
E hoje faria tudo por amor. Melhor dizendo, para ter um amor. E diria que virei poeta de verdade. Será que alguém iria acreditar?
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com
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