ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: COCADA E ÁGUA DE MORINGA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que num lugar muito distante, lá perto da curva do vento, havia uma taperinha de beira de estrada e uma velha senhora, moradora desde sempre naquelas bandas, sobrevivendo da venda da cocada branca que fazia todos os dias.
Com freguesia certeira, gente que todos os dias passava pela estrada diante do casebre, logo cedinho, coisa ainda do galo nem começar a cantar, a velha senhora levantava para a oração aos pés do oratório e para as lides de todo dia.
Já deixava os cocos quebrados e a carne branquinha separada num alguidar, que é uma tigela de barro para muitos usos. Depois de tomar um gole de café se punha a ralar o coco. Em seguida acendia o fogão de lenha na parte dos fundos e deixava o braseiro flamejar.
Colocava os ingredientes dentro de um tacho de estanho e ajeitava por cima das pedras tendo o fogo por baixo. Dali era só mexer de vez em quando, experimentar sempre a doçura do açúcar derramado, saber do gosto do cravo e canela que acrescentava para dar mais sabor. Tudo que colocava parecia ir se dissipando aos poucos, restando somente a brancura fervente, cheirosa, a cocada chegando ao ponto.
Seis da manhã, com o doce já mais esfriado, derramava o cozido grosso em dois grandes tabuleiros de madeira. Deixando na mesinha da cozinha com a porta aberta, com a friagem da manhã que entrava, meia hora depois a cocada já estava em ponto de ser cortada em cubos e colocada num cestinho de vime.
Ainda não era sete da manhã e quem passasse adiante do casebre já avistava a mesinha do lado de fora, tendo a cocada coberta por uma toalhinha branca. Muitas vezes nem precisava chamar a mulher pra comprar. Era só chegar, pegar os pedaços que quisesse e deixar a nota debaixo do cestinho.
Bem ao lado, uma moringa com água de uma doçura gelada, pois dormida no umbral da janela, e uma caneca de alumínio. Quem quisesse podia comer do doce e beber água ali mesmo. E não demorava muito pra moringa secar e a velha colocar outra do mesmo feitio no lugar. Possuía cinco com a água saborosa das manhãs nordestinas.
Mas um dia o tacho de estanho perdeu o fundo e o doce não pôde ser feito. Entristecida demais, nem atinou que naquele dia e nos outros seguintes não teria mais o seu ganha-pão pra vender. Ainda assim, já meio caduca, colocou a mesinha lá fora e a moringa cheia de água.
Entrou e sentou para descansar um pouco na cadeira de balanço. Mais tarde acordou e sentiu que algo estranho havia acontecido, pois mesmo sem cocada havia dinheiro debaixo da moringa vazia. Repôs o precioso líquido e depois descobriu que as pessoas que passavam ali, na falta da cocada, aproveitavam para matar sede na água da moringa.
E desse dia em diante a água de moringa, dormida no umbral da janela, passou a ser o meio de sobrevivência da velha senhora. Mas veio a seca, faltou a chuva, não caía mais uma gota sequer de água. E as manhãs ficaram mais sedentas e entristecidas...
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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