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terça-feira, 27 de dezembro de 2011

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AS MEDONHICES DA NOITE

ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: AS MEDONHICES DA NOITE

                                          Rangel Alves da Costa*



Conto o que me contaram...
Entrando mil curvas adentro, caminhando por não sei quantas veredas, ainda assim a pessoa estava muito longe de chegar a esse lugar. Talvez o lugar mais longe do mundo, mais desconhecido e esquecido. Mas também o mais cheio de medonhices.
Nesse lugar moravam uma velha e seu neto, mas não dentro do mesmo lar, pois cada um com endereço próprio. Mas o menino, apreciador demais das histórias da velha senhora, assim que tomava o café da noitinha descambava pros lados da casa dela. Ouvir o que ela contava arrepiava, mas também encantava qualquer um.
E a boa senhora ia logo avisando ao neto que tudo que dissesse aquela noite havia sido verdade mesmo, realmente havia acontecido naquele mesmo lugar e com o povo dali. E numa noite ela começou a falar exatamente sobre as medonhices da noite, as coisas que costumavam acontecer depois que o negrume começava a tomar conta de tudo.
Disse que a noite não era flor que se cheirasse, que não era qualquer um que enfrentava os seus mistérios pra não sair arrependido. Certa vez teve um que disse que a lua, que é o olho da noite, era a coisa mais feia do mundo e nunca mais viu luz nenhuma.
Mesmo que a pessoa não saiba, mas em cada curva de estrada, embaixo de cada pé de pau e bem na beira de cada vereda há uma medonhice da noite esperando a passagem de certas pessoas. Se a pessoa for ruim, talvez nem chegue ao destino, pois fica engasgado dentro da boca da noite.
Quanto o anoitecer já se alonga e a pessoa vem voltando bêbada pra casa e amanhece deitada na estrada, com o corpo todo dolorido e sem saber o que foi, pode ter certeza que foi o cipó da noite que lhe deu uma surra. Tem outros que ficam variados e ao invés de ir pra casa são encaminhados para o cemitério, onde acordam pensando que já morreram.
Mulher que sai escondido pra trair o marido no meio da noite, pode ter certeza que se engravidar vai nascer um filho retinto como a noite sem lua. Quando o padre deixa a sacristia para encontrar as beatas safadas nos fundos de suas casas, ninguém duvide que o traiçoeiro da noite já tomou o seu corpo e quem vai fornicar já é outro.
Menino que chora demais e atrapalha que a noite ouça cuidadosamente tudo que acontece ao redor, ela manda uma estrela sem luz tapar a boca do chorão que a mãe pensa que ele está engasgado. Homem ou mulher que deita sem rezar tenha certeza que vai ter pesadelo durante a noite todinha com um bicho da língua de fogo debaixo da cama.
Então o netinho perguntou à avó o que acontecia quando uma pessoa contava mentira no meio da noite. E então a velhinha, meio sem jeito porque havia sido debochada pelo menino, disse apenas que a noite perdoava os que não tinham o que fazer.





Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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