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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 24 de maio de 2010

INSÍGNIAS, BRASÕES E VAIDADES (Crônica)

INSÍGNIAS, BRASÕES E VAIDADES

Rangel Alves da Costa*


Não sou pessoa como você, que só tem um nome e sobrenome e que não será nenhum grão na poeira dos tempos, porque não tem linhagem, estirpe, sangue dos fortes, reconhecimento na ilustre casa da história.
Quando muito, talvez você só tenha RG, CPF, CTPS, uma foto 3X4, xerox da Certidão de Nascimento, um endereço e nem sequer uma recomendação de alguém que lhe conheça. É triste, mas você não passa de um número nas estatísticas que indicam o subdesenvolvimento. Talvez você só exista porque está vivo, mas com certeza não tem amigos e muito menos proteção de alguém no poder. Ah!, se você for eleitor terá sua importância reconhecida num breve instante.
Enquanto você pensa que é alguém, eu fico aqui na torre do meu castelo imaginando que existem pessoas como você, e esta imagem abjeta me faz sorrir. Não sei bem se é castelo, fortaleza, fortificação ou residência senhorial, mas tenho certeza de que somente a torre onde gosto de ficar para apreciar as paisagens verdes e azuis, os vinhedos e os trigais, as fontes e os lagos, é infinitamente maior do que o casebre onde se esconde e ainda diz que é casa. Em casa moram os meus serviçais, com muitas dependências, quartos, lareiras e solares, e não isso que você chama de endereço.
Dessa torre onde estou, ínfima dependência dessa moradia construída na pedra da mais alta nobreza, e que foi herança de um povo de grandes feitos, posso ver adiante terras e mais terras que, após deixarem de servir aos propósitos para produzir riquezas, certamente servirão para você plantar um pé de feijão ou de milho, levantar sobre um seu pedaço uma casinha de barro, colocar quatro estacas ao redor e dizer que é feliz. Eu, que deveria jurar que tenho de tudo, juro que ainda não tenho nada e não terei até subjugar e colocar aos meus pés o próprio horizonte. E não se apresse em dizer que esse quadrado de terra é seu, pois logo logo só terá sete palmos e algum punhado de areia por cima.
Não sei nem quero saber se você tem família, pais, parentes, conhecidos com esse mesmo sangue de vermelho aguado que tanto se arvoram de ter. É costume de vocês falarem dos familiares que já se foram afirmando que alguém era um grande lavrador, um reconhecido servente, um peão exemplar. Reles serviços de uma vidinha, apenas isto, e certamente incomparável com o baronato, com o ducado, com o principado, com a realeza que distinguem os meus. Almirante de esquadra e norte, grão-mestre da grande loja, sumo sacerdote, senhores do comércio de todas os portos e todos os mares, eis de onde venho e enobrece ainda mais o meu sangue verdadeiramente azul.
Você deve ser um desses João, Pedro ou José que dizem tanto ter por aí, num mundo que felizmente não conheço e nem quero colocar os meus pés macios. Minha carruagem se sujaria naquelas ruas imundas; aquelas mãos nojentas não serviriam para carregar minha liteira. O meu nome, que prefiro que você não pronuncie, é composto e possui mais de mil letras, em muitos sobrenomes que confirmam a minha linhagem, a minha estirpe, a minha honra e o meu sangue. Não é genética nem hereditariedade, é nobreza, realeza, tudo na maior pureza, a própria perfeição do ser humano sobre a terra.
Ouvi falar que deram a você um certificado de conclusão de curso de alfabetização. Não sei o que é isso nem quero saber. Nesse momento estou pensando em mandar construir uma nova ala no castelo somente para colocar meus troféus, minhas insígnias, meus símbolos de realeza, meus pergaminhos e minhas armas e brasões. Para você que não sabe, insígnias são minhas coroas, meus colares, meus selos e distintivos, todos simbolizando a minha importância nesse mundo fútil. Brasões são os símbolos contendo o cetro, o ramo de oliveira e o canhão, como característicos de uma família que venceu todas as lutas e batalhas. Há mais de vinte anos os historiadores trabalham na heráldica familiar e ainda não conseguiram enumerar nem a metade dos nossos símbolos de força e poder.
E agora pergunto: quem é você, quem você pensa que é? Não vou sair dessa torre enquanto não descobrir quem você é, como age, como vive nas dificuldades, como realmente é. Duvido que seja feliz, pois a nenhum pobre é dado o direito de ter felicidade, mas se o for, se assim mesmo consegue dormir tranquilo e amar, consegue viver normalmente e sorrir, consegue tirar da tristeza toda a alegria da vida, preciso urgentemente saber quem você é, para te procurar e fazer um acordo: Dou-te minha riqueza, minhas insígnias e brasões para ter a tua felicidade. Só não dou meu sangue porque sangue azul não existe e não vale nada.




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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