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terça-feira, 25 de maio de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DA REVOLTA – III

SER SERTÃO: DA ARTE DA REVOLTA – III

Rangel Alves da Costa*


Nas cidades, muitas vezes, a miséria não é tão visível quanto nas lonjuras das pequenas fazendas, nos terreninhos de quarteirão, nos cercados e nos casebres. Houve um tempo em que a miséria, este estado lastimoso de não ter, de submeter-se às necessidades básicas, nem se comparava com outro tipo de marginalização, que era ter de entregar o que possuía, sob ameaça de morte, ao vizinho latifundiário que media os novos alcances de suas terras pela mira dos rifles da jagunçada.
Não foram poucos os casos de famílias inteiras serem dizimadas, que vizinhos, por uma rixa ou desavença qualquer passaram a se odiar de fogo a sangue e duelaram até não restar sobreviventes; que os que escaparam com vida foram guiados pelo ódio e pela sede bárbara de vingança, aumentando desforras e vinditas em outras paragens, tornando-se verdadeiramente bandidos, juntando-se aos bandos de cangaceiros, seguindo pelas trincheiras sertanejas a nivelar uma lei pendente só para um lado.
Dessa lei pendente para o lado do mais forte foi que surgiram revoltas, cujo exemplo mais acabado foi o cangaço, ao menos nesse contexto sertanejo. A situação difícil vivida pela população nordestina, principalmente pelos desmandos impostos pelos coronéis, estes mandantes de tudo e de todos, foi fato gerador de indignações que faziam ferver o sangue já escaldante do matuto dessas brenhas de caatinga e bicho indomado.
O nordeste, cenário árido e hostil, entre os anos de 1870 a 1940 viu ainda alastrar-se sobre suas terras uma legião de descontentes com a falta de perspectivas dignas de vida. Humilhados e submetidos à dominação dos prepotentes coronéis, entregues à fome, à miséria e às truculências que sempre terminavam com sangue jorrado, não viram outra saída senão somar-se aos grupos de cangaceiros existentes que, dentre outros propósitos, municiavam-se para empreender vinganças, principalmente atacando as fazendas dos coronéis inimigos dos seus amigos e protetores e espalhando o terror entre certos grupos de latifundiários. Alguns latifundiários, pois existiam aqueles que reconheciam os propósitos dos chefes cangaceiros e cooperavam no que estivesse na sua esfera.
De qualquer forma, os poderosos eram os alvos principais dos cangaceiros. Contudo, a revolta desmedida, acrescida à própria rudeza da maioria dos integrantes dos bandos, foi fazendo com que as desforras e represálias se tornassem cegas, sendo direcionadas a qualquer um que fosse visto como inimigo. Desse modo, o que nasceu como forma de vingança, de combate à miséria e tentativa de transformação social, transformou-se, em muitos casos, num instrumento sádico de violência. Esta floresceu na sua maior intensidade, porém contra inimigos do mesmo quilate e mesmos propósitos de crueldade, mas não contra criancinhas e velhinhas indefesas, como muito se assevera no ouvi-dizer do folclore cangaceiro sertanejo.
Os esconderijos, as grutas, os mandacarus, facheiros e xiquexiques do sertão revoltoso, forma muito mais do que testemunhas e cúmplices para os diversos magotes de rebeldes primitivos. Acolhendo os irmãos de sol, foram marcos e leitos para os bandos apressados e cansados. Como esses bandos eram conhecidos pelos nomes dos seus chefes, primeiro surgiu o de João Calango; depois apareceu o de Jesuíno Brilhante, que era uma espécie de Robin Hood sertanejo, muito adorado pelos mais humildes; já por volta do início do século passado foi a vez do bando de Antonio Silvino, conhecido também como o governador do sertão; contudo, somente anos mais tarde é que surgiria o principal bando de cangaceiros, chefiado por Virgulino Ferreira da Silva, mais conhecido como Lampião, o rei do cangaço.
Como todos sabem, o destino, configurando-se num meio inóspito e de difícil sobrevivência, tece redes de submissão que deixa o ser humano quase que sem saída, ou humilha-se covardemente ou rebela-se encorajadamente. A maior parte dos revoltosos dos bandos surgidos foi gerada nessa teia de aranha chamada coronel. Deu no que deu. E com Lampião não poderia ser diferente.


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertão.blogspot.com

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