SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



terça-feira, 25 de maio de 2010

TRÊS FILHAS DO SOL

TRÊS FILHAS DO SOL

Rangel Alves da Costa*


A genética da natureza possui seus mistérios que não cabe ao homem descrever senão através de suposições refutáveis. Sua hereditariedade então, caracterizada que é pelos mais estranhos elementos que nascem do mesmo grão trazido um dia pelo vento. Com os astros ocorre a mesma coisa, com o agravante de que ninguém sabe o que possa vir lá de cima.
Assim, os mais velhos contam que num dia de chuva o sol deu à luz três lindas filhas: Solícita, Solitária e Solteira. Se a maternidade é indiscutível, a paternidade gerou e ainda continua ocasionando grandes controvérsias, vez que é do conhecimento de todos os astronautas, astrofísicos, astrólogos e vizinhos do espaço que o sol sempre teve uma vida sexual permissiva, obscena e despudorada, saindo com qualquer um que quisesse experimentar do seu calor durante o dia ou esquentar sua fornalha de prazeres durante a noite.
Nesse contexto de sexualidade intensamente aflorada e sem mais exigências para experimentar do prazer da entrega e do receber é que o sol engravidou, gerou suas três lindas filhas, cada uma mais linda que a outra e com personalidades diferenciadas no jeito de ser, viver e sentir a vida. Quem visse cada uma em lugar diferente diria que se tratava da mesma beleza luminosa, mas bastava se aproximar um pouco mais para sentir algumas diferenças comportamentais essenciais.
Solícita era muito parecida com a mãe, parecendo ter sempre uma fornalha dentro dela e desde cedo se envolvendo com uma turma sem rumo certo no espaço, como as estrelas cadentes, os cometas embriagados e os asteróides rebeldes. Dava um trabalhão infinito à mãe, pois sempre fugia dos afazeres de sua idade para se misturar com a chuva, estar zanzando sem destino com a ventania e até ser vista nas situações mais inusitadas com as tempestades, as geadas e as tormentas. Terminou uma paquera com um trovão porque disse que ele era muito barulhento nas horas dos encontros íntimos, e o mesmo se deu com um relâmpago, acusado de ser rápido demais, cumprindo precocemente aquilo que deveria durar mais tempo. Contam as más línguas que foi vista em pleno anoitecer saindo escondida com um raio de lua. Mais uma afronta à sua mãe, que nunca se deu bem com a família desse outro ser luminoso das noites.
Solteira era de uma meiguice só, com seus cabelos louros que esvoaçavam pelos ares, seu sorriso sempre aberto e sempre demonstrando querer arranjar um namorado. Tinha a imerecida fama de ser namoradeira e antes fosse assim, para não se sentir com ares de rejeitada que sempre afligia seu coraçãozinho ardente. Não se sabe bem os motivos, mas mesmo com tanta beleza e expressividade no andar e no vestir, Solteira não segurava namorado mais que dois dias, temendo sempre que mais tarde cumprisse a sina presente no seu próprio nome: solteira, solteirona, titia. Derramava-se em lágrimas só de pensar nessa possibilidade, quando o seu maior prazer era se entregar de vez até mesmo a qualquer satélite artificial.
A terceira filha do sol atendia pelo nome de Solidão. Era a mais bonita, a mais bela e a mais doce de todas, com seus olhos tristes e negros, rosto angelical, cabelos prateados que se espalhavam pelos quatro cantos do mundo. Cresceu praticamente sozinha, num lugar bonito chamado Pântano, que depois passou a ser chamado de São Carlos do Pântano. Tinha esse nome porque estava sempre úmido pelas lágrimas que Solidão derramava na sua tristeza infinita, na sua intensa busca por algo que parecia perdido. Por mais que quisessem alegrar seu coração, não tinha jeito para demonstrar ser mais do que realmente era: um olhar triste que se estendia pelo entardecer querendo encontrar algo perdido no espaço. E certa vez quase sorri quando alguém a avistou e disse: linda lagoa de águas limpas que reflete em seus olhos a cor prateada, resultante da mistura do azul celeste com o brilho dos raios solares.
A mãe das três lindas filhas continua por aí aprontando das suas, brilhando demais quando está enraivecida e se escondendo de vez em quando para fazer não sei o quê. Solícita desde ontem que está de namorado novo; Solteira fez promessa para arrumar namorado; e Solidão parece que se encantou com o entardecer. Só pode ser, pois não para de olhar o horizonte com os seus olhos tristes.




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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