SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



domingo, 9 de maio de 2010

SE ESSA RUA, SE ESSA RUA FOSSE MINHA... (Crônica)

SE ESSA RUA, SE ESSA RUA FOSSE MINHA...

Rangel Alves da Costa*


As ruas, essas vias públicas para circulação de pessoas e veículos, ladeadas por moradias, construções ou descampados, podendo conter ainda árvores, canteiros, pavimentação e toda uma infra-estrutura urbanística, não são somente espaços, caminhos e endereços, mas sim extensões que no dia-a-dia vão deixando suas lições, porque história ou momento presente.
O casarão da rua de cima era belíssimo e como o seu jardim era encantador, onde todas as manhãs as pessoas passavam e avistavam uma riqueza infinita de cores e plantas. Com o tempo, quando o casal de idosos achou que ali era grande demais para duas pessoas distanciadas dos filhos e se mudou, o jardim foi sendo tomado por mataria estranha, perdendo suas cores e logo ficou completamente abandonado e feio. Hoje em dia pulam o muro, arrombam as portas da histórica residência e fazem do seu entorno o lugar propício para encontros furtivos, para esconderijos e uso de drogas. Os que passam em frente e estavam acostumados com um tempo de beleza e preservação, agora sentem somente saudades do casarão.
Marina nasceu numa ruazinha trafegável no verão e navegável no inverno. As casas, de construções tímidas, eram espaçadas umas das outras, tendo lugar para um pequeno muro em frente e um quintal onde muitos cultivavam hortaliças, criavam pequenos animais, colhiam dos frutos das mangueiras, goiabeiras e jabuticabeiras. Alguns anos se foram e quando ela passa pelas redondezas quase que não reconhece o local onde passou a infância. Ruas pavimentadas, asfaltadas, largas avenidas, moradias suntuosas, edifícios e nenhum quintal. Em muitos lugares os quintais não existem mais, não existem mais os espaços para as brincadeiras com pés descalços, as correrias, o subir e descer das árvores de frutas gostosas.
Até pouco tempo atrás as ruas eram mais humanas, havia vizinhos, as pessoas que passavam falavam com as do lugar, eram muitos os encontros nos finais de tarde e cadeiras nas calçadas ao anoitecer. O leiteiro deixava o litro na porta que ninguém mexia, o jornal esperava tranquilamente ser recolhido dentro do muro, a caixinha de colocar correspondência era inacessível aos estranhos, as portas e janelas até podiam ser esquecidas abertas por alguns instantes. Joãozinho colocava sua bicicleta no muro e ninguém mexia; a casinha de boneca ficava exposta ao sol e à chuva perto dos pequenos jardins. Parece que foi ontem, mas como as coisas mudaram.
Hoje em dia as ruas, mesmo que repletas de veículos e transeuntes, no vai-e-vem apressado dos centros urbanos, são vias e espaços solitários, tristes e incivilizados. Solitários porque ninguém quer mais viver as ruas, sua história, sua importância e seus detalhes. Ninguém quer saber das ruas a não ser os nomes, os números, as fachadas, os pontos de referências. Ninguém conversa mais com suas construções, senta nos seus bancos, passeia tranquilamente e diz bom dia ao outro que passou irradiando felicidade.
As ruas tornaram-se tristes por isso, pela tristeza das pessoas que por elas passam, pelo descaso de muitos que vão seguindo derramando suas angústias e ódios nos pequenos atos de destruição e imundície que fazem. São tristes porque nada mais é original nas cores, nas fachadas, na simplicidade; tudo é pré-fabricado, feio, imenso, desumano e rígido. E são incivilizadas porque parece que por elas não passam pessoas, mas sim inimigos em correria, pessoas que propositadamente vão tropeçando nas outras, que jogam lixo por todos os lados, que sujam as paredes e caminham pelos seus espaços como se ali simplesmente nada significasse.
Atualmente, para se viver as ruas, reencontrá-las e ter a certeza que ainda existem, será preciso arriscar a sorte, sair na noite, caminhar um pouco pelos arredores e, quem sabe, poder enxergar a lua iluminando alguns telhados que restem e um vazio adiante, e um vento que sopra balançando as folhagens, e uma dor da certeza que as pessoas já não moram mais, apenas estão.




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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