SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 1 de maio de 2010

SERTÃO ADENTRO... (Crônica)

SERTÃO ADENTRO...

Rangel Alves da Costa*


Sabia do sertão, sua história, seus "causos" e lendas, as peculiaridades do seu povo e as características interessantes que envolvem essa porção territorial nordestina pelo que a imprensa noticiava e mostrava, pelos discursos inflamados dos políticos em favor desse povo tão sofrido, apenas pelo que os outros diziam.
Achava interessante aquilo tudo, devendo ser mais instigante ainda se pudesse, um dia quem sabe, vivenciar de perto aquela realidade, pisar no massapé sertanejo e viver um pouco da vida de sua gente. Até que de hora pra outra resolveu viajar, arrumou as malas e partiu em direção ao sertão nordestino.
Assim que chegou na capital, porta de entrada para o semi-árido, procurou informações sobre o que deveria fazer para chegar ao sertão mais autêntico que havia naquele estado. Quem se propôs a informar parecia querer realmente ajudar ao turista, ao visitante. E por isso mesmo, antes de responder, fez uma série de perguntas instigantes:
Qual o sertão que pretende conhecer, o verdadeiro ou o que a imprensa afirma existir? Quer conhecer o que ainda resta da história do sertão ou quer conhecer o sertão de hoje? Quer encontrar o sertão invadido pelo progresso ou o sertão da miséria, da pobreza ou da fome? Quer sentir como é a vida do sertão e do sertanejo ou prefere tirar suas conclusões pelo cotidiano? Pensa em caminhar pelas caatingas, pelas matarias entre os bichos e xiquexiques ou prefere o asfalto invadindo os caminhos sertanejos? Afinal, qual sertão você quer conhecer? Pois tem sertão de todo tipo, menos o que você pensa que realmente é.
O rapaz ficou intrigado, pois havia feito uma pergunta e o interlocutor veio com mil indagações, sem que tivesse encontrado uma resposta satisfatória. Pelo contrário, lhe embananaram a cabeça. Mesmo assim, já que estava mesmo disposto a colocar em prática o seu propósito, alugou um carro, comprou um mapa e seguiu em direção ao sertão. Era corajoso, preferiu ir sozinho, mesmo que levasse consigo alguns objetos de valor, como se diz, tais como filmadoras e outras tralhas tecnológicas.
Assim que foi deixando pra trás os matos verdejantes da beira da rodovia e começou a observar uma vegetação mais morena, tendente ao marrom, com árvores desfolhadas, pastos acinzentados, palmas e mandacarus se espalhando pelos terrenos secos e pedregosos, com poucas e magras cabeças de gado espalhadas ali e acolá, logo sentiu que já tinha chegado às portas do sertão.
Quando enxergou num cercado adiante a carcaça de uma vaca morta, com urubus pairando sobre um resto de pele, não teve mais dúvidas: já estava no sertão. Parou o carro, desceu, tirou fotos, filmou e rabiscou algumas impressões num diário. Pensou consigo mesmo e disse que tudo estava se confirmando como esperava. A voz do sul estava certa, ainda pensou.
Rodou mais alguns quilômetros e encontrou uma casinha muito pobre, um pouco mais afastada da beira da estrada, onde pôde enxergar uma mulher sentada num tamborete e um garotinho, só de bermuda esburacada, brincando pelo terreno com alguma coisa que tinha uma lata vazia de óleo por cima. Era um carro-pipa, segundo ele, que ia trazer água para matar a sede de sua família. Pedindo licença pra se aproximar, abriu a pequena cancela e, após se identificar e dizer dos objetivos de estar ali, começou a fazer algumas perguntas próprias dos jornalistas, tais como: como vão indo as coisas, como era a família, onde estava o esposo, há quanto tempo não chovia, como estavam sobrevivendo...
Depois de mais de uma hora, após oferecer uma pequena ajuda em dinheiro à mulher e proporcionar ao garotinho sertanejo a alegria de comer um pacote de biscoitos inteirinho e ganhar dinheiro para comprar um carro novinho, o viajante saiu de lá com algumas lágrimas nos olhos, uma tristeza mortificante e uma imensa revolta não sabia de que. Não demorou muito e chegou na cidade.
Muito pobre na entrada, pôde perceber, mas que aos poucos foi tomando uma aparência que nem parecia a sede do mesmo município onde morava aquela senhora que havia conversado instantes atrás: comércio movimentado, pessoas alegres e trajando roupas umas mais bonitas do que outras, muitos carros e motos, casas que pareciam mansões, todos indo e vindo como num grande centro urbano. E se perguntou se estava mesmo no sertão.
Naquele resto de dia procurou conhecer melhor como era a vida naquela cidade sertaneja e descobriu que o sertão só estava no nome, pois o restante era tal e qual se via na telinha, nas novelas da televisão. No outro dia, logo ao amanhecer, quando começou a andar por lugares mais distantes, pela periferia e rumou pelos caminhos e estradas, foi reencontrando novamente o sertão pobre, faminto, mas bonito de alegrar e entristecer o coração ao mesmo tempo.
E foi quando descobriu que o sertão de hoje continua com muitas sedes: sede de ter e beber água e sede de não ter e nem beber da água do progresso que descaracteriza tudo e apaga de morte povo e história.



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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