SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sábado, 29 de maio de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DA MORTE - I

SER SERTÃO: DA ARTE DA MORTE - I

Rangel Alves da Costa*


O sertão eterno, eterniza-se. O que foi e o que será repousará como exemplo e grandiosidade na memória da história. A aridez da terra e dos homens não ferirá jamais aqueles que realmente souberem compreender as entranhas, linhas e traçados do sofrimento. Cada verdade aprendida, assimilada, visualizando-se o contexto do homem perante o seu meio, será uma lição sertaneja que o tempo não conseguirá apagar.
O bem e o mal, que tanto espaço disputaram nas distâncias áridas de suas terras, num eterno faiscar de fogo e sangue, serão como páginas que cada um escolherá aquela que merece ser lida. Como o entendimento de um todo não será possível observando-se somente isto ou aquilo, será preciso abrir as trincheiras da guerra e as porteiras da paz, deparando-se com o vermelho dor jorrado das mortes infindas, com o grão plantado e a comida na mesa, com as secas insistentes e chuvas relutantes, com o sofrimento e a alegria, com a força que sabe lutar e vencer e com a esperança, a esperança e sempre a esperança, acima de tudo. Assim são as faces do sertão, e assim ele se fez, ofício divino, porém forjado pela mão do homem.
O véu das flores ainda tremula com a brisa que sopra na insônia dos descampados e dos centros urbanos. Fantasmas de flores de sangue dizem não mais assustar, pois em seu lugar surgiram outros jardins sedentos e de espinhos perfurantes nos pés descalços daqueles que continuam a vagar pelo lugar em busca de amedrontar a fome. Estes não são espectros, são sobreviventes. Sem o véu nas flores será fácil compreender que tudo pouco mudou, simplesmente trocou de nome. Não será erro ver um bem-me-quer e confundi-la com um malmequer. Begônia de ontem, calêndula de hoje.
Sem o véu de sol escaldante a confundir semblantes, o homem descobrirá verdades e se descobrirá. O homem que veio e o que ficou; o homem que se foi, e o que está e o que nascerá; o que pensa que vive quando nem sobrevive, vegeta; o que mostra o retrato fiel das purezas e das impurezas, e é ouvido mas nem sempre acreditado. No sertão tudo é o homem. Cada um que morre tudo deixa de ser tão sertão. Mas todas essas palavras, amarguradamente pensadas para serem ditas, por efeito do destino ninguém mais as ouvirá, pois o velho morreu.
"Eis o pior mal, no meio de tudo o que se realiza debaixo do sol: que haja para todos um mesmo destino. Por isso, o espírito dos homens transborda de malícia, e a loucura habita no seu coração. Os vivos sabem que hão de morrer, mas a os mortos nada mais sabem, nem mais nenhuma recompensa terão; pois da sua memória nada restará. Os amores dos mortos, os seus ódios, e as suas invejas desapareceram com eles; e nunca mais terão parte alguma em tudo aquilo que acontece debaixo do Sol. Por isso, segue o teu caminho – come o pão com alegria, e bebe o teu vinho com coração alegre, porque a Deus agradam as tuas obras". E o livro de Eclesiastes estava aberto para o velho...


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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