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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



sexta-feira, 14 de maio de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DE CURAR – III

SER SERTÃO: DA ARTE DE CURAR – III

Rangel Alves da Costa*


Na verdade, disse o velho, no sertão a doença é prato cheio pra cova e pra eleger político. Tanto a cova como o político fica de boca e braços abertos esperando o outro adoecer, só que uma quer que morra logo e outro espera que vá pro beleléu só depois da eleição. Mesmo doente vai ter de votar, pois o homem gastou com remédio e tudo mais e não vai aceitar que fique acamado. Depois que sair da sala de votação tudo bem, pode cair durinho ali mesmo, tanto faz... O que vale é o voto, não o óbito.
Aliás, tem uma historinha que lembrei agora e vou contar: Certa feita apareceu por aqui um político da capital dizendo que se preciso fosse ele mesmo morreria no lugar do sertanejo, pois se eleito iria fazer de tudo para que as pessoas só morressem por idade, já velhinhas. O povo acreditou, votou nele, foi eleito, e parece que cumpriu mesmo o prometido, pois sumiu, desapareceu de vez, morreu para o povo, como ele próprio prometeu. Outra feita, um candidato a prefeito falava tanto em seus discursos das pessoas que morriam no sertão por falta de assistência médica que aconteceu o inesperado: descobriram depois que naquele pleito, não se sabe como, mais de vinte mortos votaram, e ele foi eleito exatamente com vinte votos de frente.
Nos tempos antigos, lá pelos idos que só Deus sabe quando, era muito diferente. A doença certamente campeava, mas quando uma pessoa tinha uma enfermidade era só ir no quintal ou na mataria pertinho e apanhar o remédio. Bastava umas folhinhas disso ou daquilo, uma pisada, um chazinho, uma infusão pra beberagem ou coisa parecida, e com esse verdume milagroso até doença ruim se curava.
Não é como hoje não, onde a saúde é coisa de política, entregue a políticos e o povo morrendo à míngua. E onde a política se mete no meio nada fica prestando. Mas de certa forma o povo tem dupla culpa, uma por votar nesse bando de safados e outra porque parece até ter preguiça de cultivar uma pequena horta com remédios da própria natureza.
Naqueles tempos as doenças também eram muitas, mas tudo podia ser curado com remédio do mato mesmo. As mordidas de cobras eram relativamente comuns; as verminoses gostavam das crianças; sempre surgiam casos de reumatismos, disenteria, anemia, resfriado, hipertensão arterial, diabetes, feridas nas pernas e nos pés, dentre muitas outras.
Muitas vezes as doenças eram ocasionadas pelo descuido nas andanças pelo mato, no contato com animais, devido à falta de conhecimentos sobre enfermidades e desleixos no que diz respeito à higiene, principalmente entre as pessoas mais pobres e desinformadas, mas afetando a população sertaneja como um todo. Ora, muitas vezes se tira o leite do gado com as mãos sujas das fezes do próprio animal, ou simplesmente se esquece que as mãos devem ser sempre lavadas. Se não lavar é uma doença atrás da outra entrando pela boca.
A variedade de plantas da região era extremamente rica. Por todo lugar existia o angico, a aroeira, a arruda, o fedegoso, o mastruz, a quixabeira, a imburana, e bem muitas outras plantas domésticas. Todas possuíam, e ainda possuem, propriedades curativas. Faziam usos de talos, folhas, raízes e sementes para fazer infusões para beber, para misturar o pó com cachaça, para fazer xarope, papas para colocar sobre inflamações, para fazer ungüentos, enfim, toda uma gama de possibilidades e formas de proveito que sempre resultavam na cura do paciente.
Ora, quem tivesse com dor no pé da barriga era só colocar um raminho de pé-de-veado por trás da orelha e pronto. Batata-de-teiú é tiro e queda quando a pessoa é picada por bicho peçonhento. Minha avó – dizia o velho com olhos entristecidos – bastava balançar uns raminhos verdes por cima da gente que não tinha um só mau olhado que ficasse. Conheci gente que só escovava os dentes com folhas verdes de umbuzeiro, e com razão, pois não tem nada melhor tanto pra embranquecer como para deixar a dentadura bem forte e sadia. Mas nada surtia efeito se aquele que estivesse usando essa ou aquela plantinha não tivesse fé. A fé, com certeza, será sempre o maior remédio do sertão.
Basta testar. Pegue cascas de angico e faça um xarope, depois dê a quem estiver com tosse, gripe ou catarro no peito. Com poucas colheradas a pessoa fica tinindo, revigorada, pronta pra outra. Ou ainda, pegue folhas de arruda e faça um chá. Não há remédio melhor pra quem está com doença do estômago ou perturbação na menstruação ou gravidez. Pra quem está com reumatismo, verme, contusão ou fratura, só precisa pegar qualquer parte do mastruz, menos a raiz, fazer como se fosse uma papa ou misturar com leite, passar no local ou tomar, que vai ser a conta. Adeus doença, que é bicho ruim e malcriado. Mas nunca se esqueça da fé. Ela será sempre o maior remédio do sertão.


Depois de tanto falar, só mesmo uma lapadinha de casca de pau pra equilibrar os nervos e despertar a fome. Queriam que continuasse ali para contar outros causos, mas o velho tinha que sair, passear pelas redondezas, conversar com a natureza, olhar as coisas e aprender muito mais. Quem sabe outra prosa amanhã...


continua...




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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