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segunda-feira, 3 de maio de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DE NAMORAR – IV

SER SERTÃO: DA ARTE DE NAMORAR – IV

Rangel Alves da Costa*



Um rapaz que estava ouvindo os relatos do velho perguntou a este se naqueles tempos também ocorria de as mocinhas casarem grávidas. E o velho respondeu: "Desde que o mundo é mundo essas coisas ocorrem, e muito mais por descuido do que por outra coisa. Mas naqueles tempos acontecia porque os namorados pouco sabiam o que era camisinha e poucas moças sabiam o que eram os anticoncepcionais. Mas se ficasse grávida e não casasse ficava desonrada, mal falada. Por isso mesmo é que quando as famílias não aceitavam o namoro, o rapaz não pensava noutra coisa senão engravidar logo a namorada. Aí as famílias tinham que passar a aceitar. Hoje não, pois é tanto faz como tanto fez. E o pior é que se pode avistar uma legião de meninos que nunca souberam quem são seus pais. É uma vergonha, mas é assim".
Logo após essa breve interrupção, o velho prosseguiu com a sua história:
Como eu vinha dizendo, uma vez realizada a fuga o rapaz levava a moça até a casa de um líder político do qual era eleitor. Nessas condições ele não poderia negar guarida. Como esse político geralmente era respeitado por grande parte da população local, a fujona ali estaria segura e não haveria o perigo de que sua família, quando soubesse do acontecido, fosse buscá-la à força, pois seria uma desonra muito grande para a casa do líder e para ele próprio.
O muito que a família podia fazer era pedir licença para visitar a moça e aconselhar, implorar o seu retorno ao seio familiar. Isto muitas vezes surtia efeito, mas quando a moça estava decidida a ficar o único jeito era amenizar as coisas, aceitar o ocorrido e providenciar logo o casamento. Muitas boas famílias tiveram origem assim, quase que na marra.
E mais uma vez o progresso passou a influenciar no namoro, asseverou o velho. Os avanços, o crescimento da cidade, a chegada de muitas pessoas estranhas com os seus modismos safados, as lições pouco proveitosas da televisão, o encurtar dos caminhos e a velocidade das coisas, tudo isso serviu para dar uma nova feição até mesmo às relações amorosas e abriram as portas e escancararam a pouca vergonha, a sem-vergonhice deslavada.
Não é difícil, hoje em dia, se ouvir falar que aos doze, treze anos, uma garotinha já está namorando; aos quatorze engravida, aos quinze já é mãe, e muitas vezes mãe solteira, e daí por diante será um deus-nos-acuda. Muitas delas passam a fazer das relações sexuais uma verdadeira brincadeira, dado ao sexo indiscriminado, com qualquer um e em qualquer tempo e lugar.
Hoje em dia, o que mais se vê é o namoro escondido dos pais; encontrando-se com o namorado do dia nos esconderijos, nos monturos de cama de capim ou de sujeira, em qualquer barranco de beira de riacho, no banheiro do quintal da própria família. Qualquer lugar, por mais inusitado que seja, é motel hoje em dia. E tudo só vem à tona quando os boatos se espalham, a gravidez não pode ser mais escondida (já abortou uma, duas vezes...) e os pais começam a fingir que estão morrendo de vergonha dos outros.
Certa feita, uma mocinha de família (já que toda mocinha tem família) apareceu grávida e como não sabia com certeza quem era o autor da proeza, vez que grande era a fila para visitá-la, quando foi forçada pela sua mãe a dizer quem tinha feito aquilo, ela não teve dúvidas e disse que tinha sido o filho do prefeito, o rapaz mais desejado do lugar pelas mocinhas.
Então essa senhora, toda cheia de si e querendo arrumar um pai para o futuro neto, foi procurar o rapaz e perguntou se ele ia assumir a paternidade do menino ou não. Este, com a maior cara de pau, foi logo dizendo: "Olha aqui minha senhora, já comi as suas outras duas filhas, mas essa eu garanto que não comi não e foi porque não quis, até por medo de pegar doença". E qual a reação dessa mãe? Nenhuma. E foi pior, pois procurou um buraco para entrar nele e ficar para sempre e não encontrou. Depois foi reclamar da vida, que nunca teve tempo de criar suas filhas como deveria, e coisa tal. Tarde demais, como sempre.
Como diria a rasa filosofia, um certo orgulho nojento bem que caberia no íntimo também nojento desses pais que só reclamam da sorte da vida quando esta começa a mostrar os frutos que foram vergonhosamente plantados. Queiram ou não, haverão de colher e se deliciarem com a parte mais podre e indigesta. Assim quiseram...


Após tal relato, o velho retirou novamente a fotografia antiga do bolso e olhou-a saudosamente. Tempos bons, não voltam mais... Cantarolou baixinho.




Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
blograngel-sertao.blogspot.com

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