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quarta-feira, 12 de maio de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DE CURAR - I

SER SERTÃO: DA ARTE DE CURAR – I

Rangel Alves da Costa*


Mesmo talhado pelas marcas do tempo, o velho tinha mais saúde, vigor e disposição do que muitos jovens. Uma vez, perguntado sobre o segredo de toda aquela força física, depois de tomar uma talagada de angico e baforar no cachimbo, ele animou-se e começou a dar suas explicações.
Segundo ele, esse negócio que hoje em dia dão o nome de saúde é coisa que não existe. Secretaria de saúde, hospital, posto médico, posto de atendimento emergencial, médico de família e outras coisas desse tipo, é tudo enganação da política e dos políticos. Quem quiser ver um parente morrer vá pedir uma ambulância a um prefeito ou secretário para transportá-lo. Nem arruma ambulância e nem encontra atendimento em lugar nenhum. Mas o hospital está lá, o posto de saúde também, mas sem médico e sem remédio não há nada que se possa fazer.
Na época de eleição, os candidatos e seus aduladores vivem como aves agourentas atrás de doente para entupir de remédio, para transportar até para o estrangeiro se for preciso. É uma bondade que não acaba mais. Como a maioria do povo não sabe ler, chegam com um saco de remédios e tanto faz se dão um medicamento de anemia para quem está com dor de dente, um de diarréia para quem está com gripe, ou até mesmo um remédio com data de validade vencida desde a outra eleição. Ao invés de curar pode matar, e eis o lucro maior do político, pois um caixão de defunto rende muito mais votos do que a cura de uma doença. A soma vem com a família enlutada.
Em época de eleição, em se falando de doença, candidato serve muito mais do que remédio. Muita gente vive fazendo promessa para adoecer somente nesse período. Pode ser a qualquer hora do dia ou da noite o doente não deixa de ser amparado, cuidado, visitado, bajulado. Chegam a ambulância da prefeitura, o carro do candidato, os outros automóveis alugados por ele. Neste momento, o candidato carrega o moribundo até mesmo nos braços, e sai apitando feito ambulância.
Numa situação dessas, não há interesse algum de que a localidade possua um hospital ou mesmo um posto de saúde. Se o doente não precisar dos favores do candidato, quem vai ficar prestes a morrer é o próprio candidato. Politicamente, não há coisa pior do que um povo que tenha assistência assegurada sem precisar dos favores dos pretensos candidatos.
Em termos de doenças, poucos médicos sabem diagnosticar melhor os eleitores do que políticos em vésperas de eleição. Parecem possuidores de um elixir infalível, que pode curar tudo. Certa vez, um desses chegando na casa de um eleitor que estava meio adoentado foi logo perguntando à sua mãe: "E aí comadre, parece que o remédio que eu passei foi pá e casca, não foi?" E foi quando a velha senhora respondeu: "Foi pá e casca, nada cumpade. Foi pá e caixão. Quano demo o seu remédio a ele, ele começou a se estribuchar todim e caiu roxinho. Enterremo ele já tem dois dia".
Fato como esse comprova que a ingenuidade do povo é usada e abusada. Não se trata somente de assistencialismo barato e ridículo que faz das enfermidades do povo sofrido uma escada para uma vitória num pleito. Quando a tradicional medicina da trambicagem entra em cena não é somente através da promessa de cura ou da falsa cura, mas também da distribuição aleatória de dentaduras e de óculos de grau. Teve um candidato que mandou uma moça tomar as medidas dos seios no barro dizendo que iria mandar fazer um enchimento bonito no sul do país. Pouca vergonha, descaração pura. E o pior é que ainda assim conseguem votos.
Quando se aproxima uma eleição logo se observa um bando de puxa-sacos medindo a boca do povo. Nas calçadas, os velhinhos desdentados dão aquele sorriso quando o candidato se aproxima com uma bolsa cheia de todos os tipos e formas de dentaduras. Não se sabe porque tiram as medidas, vez que quando chega a hora da doação o político vai metendo a mão na bolsa e depois enfia qualquer uma na boca do pobre coitado.
Com a boca cheia de dentes postiços, com a dentadura apertando ou dançando na gengiva, muitas vezes não pode dizer nem que aquela não está prestando. Cada muchocho dado é como se o político ouvisse: "Seu voto tá garantido, meu fio". Houve um caso de uma mulher que depois que passou a usar a tal dentadura nunca mais tirou a mão da boca, nem pra falar nem pra sorrir...


continua....



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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