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A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



segunda-feira, 10 de maio de 2010

SER SERTÃO: DA ARTE DA POLÍTICA E DA POLITICAGEM – III

SER SERTÃO: DA ARTE DA POLÍTICA E DA POLITICAGEM – III

Rangel Alves da Costa*


Na bodega lotada, os sertanejos sorviam os seus goles silenciosamente e muito mais quietos ficavam para ouvir as palavras do velho. Este tinha certeza que por ali já estavam uns dois fofoqueiros infiltrados, de butuca pra ver se falavam mal do prefeito. Torciam para ouvir alguém falando um tantinho assim, que era para saírem em disparada contar o fato e aumentar o relato. Mas o velho não se importava com isso não, e continuou, após experimentar do cachimbo já quase apagado:
O povo, em época de pleito eleitoral, transmuda-se da água para o vinho; recebe a hóstia e cospe fogo. Vizinho briga com vizinho; marido não procura a mulher; muitas vezes ela se contentar com outro; filhos brigam politicamente e deixam de falar com os pais; famílias se desintegram como se aquele pleito fosse algo de vida ou morte. Enquanto isso os candidatos ficam sorrindo, passando pelas pessoas com dentes à mostra e cara de puro cinismo.
Não há coisa mais nojenta e falsa do que cara de político em época de eleição e, como sempre costuma acontecer, até depois. Quando sai vitorioso, asquerosa ficará somente a lembrança, pois serão poucos os que poderão vê-lo e a ele ter acesso. Muitas vezes, para não passarem o constrangimento de serem destratados pela autoridade superior municipal, é bem melhor assim, é bem mais proveitoso que não precise dela por nada nessa vida. Já houve caso em que um eleitor saiu do gabinete do prefeito de olho roxo e apenas porque pediu um carrada de água.
Mesmo assim, mesmo com todo cinismo, com todas as promessas impossíveis e mirabolantes dos candidatos, todo um festival de mentiras e falsidades, mesmo assim a maioria dos eleitores não procura se precaver contra essas ervas daninhas, não buscam refletir para enxergar que tudo aquilo não passa de vergonhosa estratégia com o único intuito de vitória no pleito. Depois os eleitores que explodam de raiva, que maldigam a sorte, que digam que nunca mais serão enganados desse jeito. Mas isso é coisa de pouco tempo, pois quando chega perto da próxima eleição tudo volta a ser como antes, com as mesmas mentiras e o mesmo povo aceitando.
Tem gente que parece não ter o que fazer e começa até a tecer promessas para o seu candidato ganhar. Se ele ganhar vai subir de joelhos o morro mais alto do município; se ele ganhar vai passar dez dias usando roupa preta e sem tomar banho nem pentear os cabelos; se ele ganhar vai rezar cento e uma ave-maria em uma ajoelhada só. E nessa época aparece tanto feitiço e tanto feiticeiro que até parece que o sertão é o recôncavo baiano.
Tem aqueles que rumam para o Juazeiro do Padre Cícero e lá se postam nos pés da estátua implorando para que o seu candidato seja o vencedor na eleição que se aproxima. Êta homem bom, o verdadeiro pai dos pobres, o salvador da pátria sertaneja, ninguém passará mais fome nem sentirá mais sede, porque assim ele disse! Coitados... Depois só faltam morrer de remorsos.
Certa feita teve um sujeito que quase perde a vida por essa paixão desenfreada pela política. Quer dizer, nem tanto paixão, mas por safadeza mesmo. Assim, eis que o rapaz gostava tanto de política e de políticos que não podia ver um passar que ficava no encalço. E era estratégico quanto a isso: numa bolsa levava um monte de camisas de candidatos diferentes, e assim que um se aproximava, o dito cuidava de procurar a camisa dele e vestir. Então chegava pertinho e começava a bajular e a pedir isso e aquilo. Assim que recebia o trocado seguia em busca de outro candidato, usando a mesma artimanha, já de camisa trocada. Um dia, na pressa, vestiu a camisa errada e logo num comício do candidato adversário. E deu no que deu, e por um tempo o safado ficou sem poder vestir camisa alguma, de tanto sopapo que tomou.
Quando os candidatos viajam para comícios em lugares mais distantes, diversos carros os acompanham em carreata. Nos pau-de-arara uma multidão de desocupados vai atrás de um pão com mortadela, de uma garrafa de cachaça, de uma briga. O candidato que consegue juntar mais carros vai logo metendo medo no outro. Num comício, para que o número de pessoas seja grande o suficiente para mostrar força, manda-se buscar gente muito distante, em outros municípios. É acordo entre políticos da região. O negócio é mostrar que juntou mais gente do que no comício do outro. E os fogos pipocam por todos os lados; os carros-de-som dão voltas pelas ruas e praças fazendo propaganda; a cachaça rola solta e as brigas também. O candidato diz que já está eleito.


continua...



Advogado e poeta
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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