*Rangel Alves da
Costa
Pelos
quadrantes o vento vem soprando. Vento norte, vento sul, tanto faz. Se não se
apresenta como ventania ou outro sopro mais voraz e devastador, quase sempre
chega e passa quase sem despertar atenção. Contudo, no seu íntimo, oculto na
sua fome, o vendaval, o redemoinho, a destruição.
Há no vento
um perigoso silêncio. Há na sua face uma imperceptível e voraz ameaça. Que
ninguém se sinta protegido quando de sua fúria ou de sua sanha de
arrebatamento. As folhas que apenas balançam, os coqueirais que apenas
murmurejam, os outonos que viajam em seus braços, nada reflete com exatidão sua
silenciosa ira.
Protege-se do
vento somente pela certeza de que não se está no seu caminho ou confrontando
sua força. Somente evitando sua fúria é que será possível permanecer sem
qualquer esvoaçamento. A proteção, contudo, não diz respeito a meios materiais
que evitem os seus avanços.
Como a brisa
leve pode levar pelos ares o ser em sua fragilidade espiritual, igualmente o
vento em qualquer outra situação onde a pessoa não esteja devidamente protegida
de corpo e alma. Não precisa colocar um muro adiante de si aquele que dentro de
si mesmo já está protegido contra qualquer sanha do vento ou da ventania.
Ilusão
imaginar que a vida na terra se dá na proteção de muralhas, fortalezas, muros
impenetráveis. Utopia imaginar que se habita em moradias tão absolutamente
seguras que nada poderá abalar ou destruir suas estruturas. Ora, tudo não passa
de casa de vento.
Por mais
sólidas que sejam as estruturas, por mais que sejam impenetráveis os portões e
as portas, por mais que seja impossível alcançar os interiores e dependências,
nada disso impede que os redemoinhos da existência a tudo destruam. Ora, tudo
não passa de casa de vidro.
O ser humano,
a pessoa humana, não passa de uma casa de vento. Sim, é cálice frágil, é asa de
borboleta, é folha de outono, é uma poeira ao espaço, mas principalmente é
vento. E vento este cuja força sempre está na dependência e predisposição da
força humana. Quanto maior a fragilidade na pessoa maior será o poder de
transformação do vento em ventania, em vendaval, em redemoinho.
Enquanto casa
de vento, o ser humano pode abrir suas portas sem que sinta ameaçado por
redemoinhos. Não há fúria de vento que não passe além e deixe intacto aquele
que se reforçou intimamente de tal modo que jamais estará de corpo aberto para
os acasos. Mesmo casa de vento, a pessoa estará imune aos vendavais toda vez
que se encontrar mais preparado que a fúria mais repentina.
Na casa de
vento tudo pode ser levado, destruído, estraçalhado, menos a própria pessoa.
Livros, estantes, louças, roupas, toalhas, quadros, móveis, tudo pode ser
levado pelos ares como uma folha qualquer, mas não a pessoa que já estava
suficientemente protegida de sua tempestuosa fúria.
Por que o
sábio foi o único a permanecer no alto da montanha depois que a ventania passou
estraçalhando tudo? Por que o homem sensato continua se embalando na sua
cadeira enquanto o redemoinho fazia sua festa de destruição? Por que o vendaval
arranca plantas e árvores de suas raízes e é como se não tocasse naquele que
calmamente repousa debaixo de um sombreado de um pé de pau que foi levado?
Simplesmente
por que a casa de vento estava mais forte que a ventania, que o vendaval, que o
redemoinho. Simplesmente por que a casa de vento estava mais protegida ante
qualquer fúria da vida ou da natureza. Uma casa impenetrável e indestrutível pela
própria tenacidade humana. E não uma casa aonde a brisa chegue e de porta a
outra não deixe mais nada em pé.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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