*Rangel Alves da
Costa
A chave e
o cadeado servem como simbologia para muitas situações da vida. A chave é a
liberdade, o cadeado o aprisionamento. A chave é o encontro, e a distância o
cadeado. Os dois tão unidos e tão separados, eis que a chave feita para negar o
poder do cadeado. Tantas vezes, um cadeado tão grande para ser vencido por uma
minúscula chave, bastando um contorno com a mão.
Mas há
muito mais. Dependendo do momento, colocar a chave no cadeado significa uma das
maiores conquistas da vida. Diversas situações confirmam que não há momento
mais comemorado, alívio mais esperado e sensação de vitória do que aquele após
sentir que a chave se ajustou ao buraco do cadeado. E indescritível quando a
tranca está liberada.
Chegar à
casa alta hora da noite, olhar de lado a outro amedrontado, apressadamente
buscar a chave para abrir o portão; esbarrar esbaforido diante da porta,
vasculhar os bolsos em busca das chaves, e em seguida levar a mão trêmula ao
cadeado; saudosamente avistar a moradia e seguir diretamente ao portão de chave
à mão. São momentos cruciais na vida de uma pessoa.
Contudo,
muitas vezes as chaves foram esquecidas em algum lugar, ou mesmo não são
aquelas as que servirão para abrir aqueles portões. Fatos assim, e mais
corriqueiros do que se imagina, fazem o mundo desabar para qualquer um. E mais
angustiante ainda quando as chaves são aquelas, a pessoa tudo faz para
encontrar a ideal, mas não tem jeito de alguma delas encaixar.
Mas não
pode ser, pois tenho certeza que a chave é esta mesma, diz a pessoa aflita.
Talvez seja porque preciso colocar um pouco de graxa no fenda do cadeado, mas a
chave é esta aqui, afirma a pessoa com aspecto de desilusão. Eis, então, o
cerne da questão: a expectativa do encaixe da chave ao buraco do cadeado.
E num
determinado momento, na hora precisa, sob pena de muita coisa acontecer se a
tranca não for liberada. Até pode soar como questão irrelevante, como algo que
não merecesse qualquer explanação, mas, como será demonstrado, é fato de suma
importância na vida de um ser humano. Ademais, a chave diante do cadeado pode
servir de metáfora para muitas outras situações.
O tempo
passa, o medo se expande, a pulsação aumenta, a necessidade de encontrar a
chave ideal acaba complicando ainda mais; uma quase entra, mas nada de
encaixar. Procura outra e mais outra, olha de lado, já está entrando em
desespero, e nada de acertar a chave. Dá vontade de derrubar tudo, de puxar o
cadeado para o lado de fora, de fazer qualquer coisa para resolver a situação.
Mas nada acontece.
Suspira,
transpira, pede calma a si mesmo, faz mais uma tentativa, agora mais
calmamente. A chave vai entrando certinha, deslizando, porém emperra em
qualquer coisa. Não é essa. Mas não pode ser, pois sempre usou essa para abrir.
E as mãos suadas e trêmulas fazem nova tentativa. Essa nem coube no espaço.
Talvez seja essa. Tem de ser essa. Não há outra. Vai colocando, cuidadosamente,
no buraco e...
Mas
situações desesperadoras também podem ocorrer quando a chave é única e somente
aquela serve para abrir o cadeado. E já está até envelhecida de tanto fazer tal
procedimento. Contudo, ainda assim não é garantia de abrir a porta na primeira
tentativa. Ademais, pelo envelhecimento pode causar uma consequência pior:
quebrar lá dentro. E agora, quando a rua está totalmente deserta, não haverá
como encontrar um chaveiro, e o sujeito começa a sentir uma necessidade
imperiosa de visitar o banheiro?
Problema
ainda maior surge quando o contorno da chave já está se encaixando, mas eis que
um barulho faz a pessoa olhar de lado e a chave cai de sua mão. E pelo lado de
dentro, num lugar difícil de ser alcançado. Contudo, deixar a chave ideal cair
e mais distante do que o imaginado, talvez vá além dessa mera divagação a
respeito da importância do encaixe da chave no momento exato que o sujeito
tanto precisa.
Eis que o
fato da impossibilidade de alcançá-la, ainda que visível, já provocou situações
verdadeiramente angustiantes. Muitas pessoas já se entalaram nas grades dos
portões enquanto tentavam alcançar o objeto, sem falar naquele que entrou no
carro e derrubou o muro com portão e tudo. E depois disso percebeu que não
estava com a chave da porta. Então começou a chorar feito criança desmamada.
São
questões realmente difíceis de resolver. Mas situação ainda mais complicada
pode acontecer. Já ouvi falar de um sujeito que bebeu um pouco mais, errou de
casa e tentou a todo custo abrir um portão alheio. E até hoje chora toda vez
que se lembra do policial abrindo tranquilamente o cadeado do cubículo na
delegacia e ordenando que entrasse.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário