*Rangel Alves da Costa
Não, não se preocupe que não falo aqui sobre
mandinga, bruxaria, magia, coisa feita ou qualquer coisa no sentido de querer
interferir na vida do outro através de rituais. O feitiço ou feitiços aqui abordados
dizem respeito ao que o ser humano não é capaz de evitar, como se fosse coisa
feita no seu destino.
E tenho razão em dizer assim. Tanto queremos
que não aconteça e acaba acontecendo, não é mesmo? Quem tem o poder de domar
seu destino e evitar que o inesperado aconteça? As armadilhas são muitas e a
cada dia pessoas são enjauladas pelo amor, pelo desejo, pela paixão, por
exemplo.
Não adianta dizer que não vai mais amar, que
desistiu de compartilhar abraços e beijos, de ser do outro mais que de si mesmo.
Não adianta porque em certas coisas a pessoa não manda, não tem suficiente
poder para dizer que não, que não vai mais fazer.
Há feitiço em tudo. O coração mesmo depõe
contra a pessoa. Tudo se faz para não se envolver, para dizer não, para evitar
esse primeiro gole de paixão, mas não haverá jeito. O coração é bruxo e
traiçoeiro, age ocultamente e quando a pessoa percebe já está no caldeirão dos
perdidos.
Mas eu amei e me arrependi, pois sofri
demais. Assim se diz. Contudo, não vai muito e a mandinga já está preparada. E
a pessoa passa a se envolver como se nada tivesse dito. E o pior que se
entregando total e cegamente àquilo que tanto desejou evitar. E por amor, e por
amar, enfrenta tudo, até o sofrimento e a dor.
O feitiço está em tudo. Melhor não dizer que
desta água não beberei ou que os meus passos jamais caminharão por esta
estrada. Evita-se ao máximo, tudo faz para cumprir o prometido. Mas de repente
a mandinga do acaso ou a bruxaria do desejo escondido novamente ataca.
E não adianta se benzer, tomar banho com sal
grosso, borrifar-se de água benta, sair com Bíblia debaixo do braço ou com
santo na ponta da língua. Tudo acontece como encantamento, como cegueira, como
coisa do outro mundo. De repente a pessoa estará nos braços da perdição.
Em tudo há um feitiço atiçando e desnorteando
a vida. Eu não queria, mas... Fiz tudo para evitar, mas não houve jeito...
Apenas experimentei, mas não queria que fosse assim... Minha força fraquejou
ante o pecado e então pequei... Assim acontece. Tudo como se o livre-arbítrio
despudoradamente ocultado fosse a chave para a inversão.
Ora, o corpo em si já é um caldeirão de
enfeitiçamento. O corpo é fascínio, é encanto, é sedução. O corpo é chama que
queima além da medida e braseiro que chameja ainda que esteja em cinzas. E
possui duplo significado: o da provocação e o da atração.
O feitiço está nos dois, tanto na provocação
como na atração. Ao provocar, desata os laços desconhecidos do outro e já não
pode dizer que não tem culpa pelo que venha acontecer. Ao atrair, eis que chama
para si as consequências tanto do se permitir como do desejo do outro. Um jogo
perigoso demais, vez que mais forte que o feitiço é a cegueira da possessão.
Não brinque com coisa séria, então. Lute com
todas as forças do mundo para que nem enfeitice nem seja enfeitiçado. Uma
simples atitude, como uma roupa curta demais ou um erotismo exagerado no andar,
pode ser aquilo que o feitiço tanto esteja esperando.
Ninguém está livre do mal ou da maldade, uma
verdade. Contudo, quem brinca com fogo se queima, quem anda nu pode sentir
frio, quem sai na escuridão pode encontrar o indesejado. Os olhos estão vendo,
as mãos querem tocar, as lascívias querem satisfazer seus instintos
pecaminosos.
Use um amuleto. Sim, use um amuleto. Use um
patuá, um talismã, uma pedra sagrada. Coisa do outro mundo, sobrenatural,
difícil de encontrar? Não. De jeito nenhum. Nenhum talismã é mais forte que a
força própria, que o desejo próprio, que a certeza de saber o que faz e o que
deseja com cada ação.
Pronto. Está salvo. Até que abra a porta e
sinta um diferente fascínio por viver, por amar, por ser feliz. Mas já não será
feitiço, e sim o encantamento de um coração que coerentemente desperta para
viver, amar e ser feliz.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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