*Rangel Alves da Costa
Conhece a
vida aquele que não vive de ilusões e sabe que pisa em espinhos, e sabe que
nada é fácil de ser conseguido. Conhece a vida aquele que abre a porta ao
amanhecer e não se deixa somente encantar, pois sabe da luta que tem e do nunca
poder parar. Conhece a vida aquele que conhece a sua despensa e sabe que no
guarda-comida não tem além de apenas um pouquinho do que necessita para o prato
do dia.
Conhece a
vida aquele que não finge, que não vai deixando pra lá e sofre os sofrimentos
tão próprios do ser humano. A carestia em tudo, o remédio que sempre falta, a
roupa rasgada e já tantas vezes remendada, a chinela nova pra menina, um calção
pro menino, as coisas simples da vida e que são tão difíceis demais de serem
conseguidas. O olhar de fora nem sempre avista o outro em sua realidade.
Quando
imagina ter avistado em sua inteireza, quase sempre faz julgamentos errados ou
distorcidos. Como num olhar antropológico, o outro precisa ser olhado por
dentro, em sua realidade cotidiana, para que haja uma possível compreensão de
suas carências e de sua importância no seu mundo. Digo assim para dizer que o
povo ribeirinho de Curralinho, nas beiradas do Velho Chico no sergipano e
sertanejo Poço Redondo, deveria ser olhado e, mais que isso, compreendido de
outro modo.
O povo de
Curralinho possui peculiaridades. O habitante de hoje é muito diferente daquele
morador de outros tempos. Atualmente, quem chega naqueles beirais molhados do
Opará sertanejo sequer imagina sua pujança no passado. Também não avista mais
as grandes embarcações, as carrancas surgindo ao longe, nas curvas do rio, para
afastar os maus espíritos das águas. Adiante, do alto das calçadas altas - e
assim por que no passado as águas eram tantas que chegavam aos quintais -,
apenas lançar o olhar para as saudades tantas de um tempo de efervescente
viver.
Ora,
Curralinho já foi rico, já foi o local mais progressista e promissor de Poço
Redondo. Definhou quando o rio deixou de ser a principal via de transporte e de
chegada e saída de mercadorias. Armazéns foram fechados, mercearias deixaram de
existir, viajantes e comerciantes escassearam, portas residenciais foram
fechadas, muitos curralienses simplesmente abandonaram o lugar. O que restou?
Restou uma povoação quase parada no tempo e sobrevivendo das sombras passadas.
As
recordações nas belas fachadas arquitetônicas, as calçadas mirando os silêncios
do rio passando, as embarcações sonolentas ou adormecidas nas beiradas d’água,
e pessoas em intensa luta pela sobrevivência. Foram golpes duros demais ao povo
curraliense. Da riqueza ao pouco ter, de um rio antigamente piscoso a um leito
magro e sem o pescado do dia a dia. Fazer o que? A verdade é que o povo
ribeirinho não consegue mais sobreviver das águas do rio.
Um povo
acostumado com surubim e tubarana, mas que hoje dificilmente enche uma cuia de
piaba. Quando o homem passou a domar as águas do rio, enchendo o leito ou
secando segundo as conveniências das barragens e hidrelétricas, então tudo se
transformou como numa esmola do opressor ao oprimido, e este o verdadeiro dono
de toda aquela vida. Sem o peixe, sem o comércio, sem empreendimentos que
garantam emprego e renda, hoje Curralinho sobrevive de que?
Grande
parte das famílias sobrevive apenas do que recebe dos programas sociais do
governo. Os barraqueiros da venda de peixe comprado fora e de bebidas. Os
barqueiros de um passeio com os visitantes ou de um transporte para locais
próximos. As belezas do Velho Chico e das paisagens nunca foram devidamente
exploradas para a efetiva melhoria da qualidade de vida da população. O turista
ou visitante, infelizmente se interessa somente pelas beiradas d’água e sequer
quer saber se ali existe uma comunidade, um povo. Tanto assim que as pessoas
descem a ladeira, ultrapassam as esquinas e seguem logo para a proximidade das
águas. Ali sentam, bebem e brincam, passeiam pelas margens, tomam banho, depois
retornam sem conhecer nada da realidade local.
Precisam
saber, pois, que Curralinho não é apenas um rio, não é apenas um leito de banho
e uma mesa na proximidade das águas. Precisam saber que ali é lar de um povo, é
a vida de um povo, e uma gente com história, com realidades alegres e tristes,
com sonhos e esperanças. Que saiam das beiradas e subam nas calçadas, que
caminhem pelas ruas, que conversem com o seu povo, que procurem ouvir para
ajudar. Difícil, contudo, que assim aconteça. A maioria dos que ali chegam
sequer procura conhecer a importância daquela primeira igreja encontrada no
alto, em lugar vistoso.
E com isso
finalizar dizendo que Antônio Conselheiro e seus seguidores, lá pelos idos de
1874, quando terminaram a reforma e abriram as portas daquela igrejinha,
demonstraram maior admiração e respeito por Curralinho do que os visitantes de
hoje.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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