*Rangel Alves da Costa
Nada do
outro mundo não. Tudo verdade. Tudo no sertão. Mas é preciso conhecer esse
mundo de aridez ensolarada para saber do existente ao redor e mais adiante,
para ouvir suas vozes escondidas após as porteiras e cancelas, para dialogar
com o que se imagina inexistente, para abrir o seu livro e conhecer suas
histórias, seus causos e proseados.
Nada,
contudo, será possível sem colocar o pé na estrada, sem caminhar pelos espinhos
e pontas de pedras na terra nua, sem ladear com o amarelado da linda flor da
jurubeba que adorna o beiral da vereda.
Mas que
não saia da cidade quem não souber conversar com a pedra, quem não souber ouvir
a voz do passarinho, quem não souber compreender o que faz o mandacaru de braços
abertos para o alto.
Tudo no
sertão possui história, possui explicação, possui conhecimento, e até mesmo no
que está ocultado nos tufos do mato ou debaixo das ramagens secas. O cipó
possui vida, possui história. A casa velha só falta falar e gritar, só falta
puxar a mão e dizer: “Venha, venha me conhecer. Fui passado e sou escombro
presente, mas muito tenho a dizer!”.
O curral
abandonado ecoa mugidos de rebanhos que já se foram. A malhada nua, ressequida
e silenciosa, ainda guarda em seu chão os passos de gerações e mais gerações.
Uma cabeça seca de vaca por cima de um ripado de cerca. Quem foi seu dono, como
morreu, e por que ali foi colocada como simbologia da desvalia sertaneja em
tempos de seca grande?
Andando a
pé e lançando o olhar pelas vastidões das estradas, pelas curvas e veredas que
seguem, de repente a pessoa avista aquilo que parece inexistente nos seus dias.
Retirantes da seca, olhos fundos em rostos carcomidos pela fome e pela sede.
Ossos parecendo sobressaindo-se à pele, pés descalços que caminham sem destino
algum.
Comboeiros,
vaqueiros, rangidos de carro-de-bois, um cavaleiro apressado que vai atrás de
uma velha parteira. No alto, cortando os céus, passarinhos que são mensageiros.
O tem-tem anuncia que por ali “tem-tem” gente chegando. O quero-quero diz que
precisa encontrar alimento para o seu bico deixar de tanto querer. Urubus,
carcarás e avoantes de bico apunhalado, cortam os ares em busca de bicho morto,
de bezerro fraco e lançado ao chão, até de gente morta nas tocaias e emboscadas.
O calango
corre e corre, e corre sem parar. Ora, a terra é seca demais, o chão é braseiro
puro, então tem correr para fugir do fogo. Sobre numa pedra e começa a balançar
a cabeça. Não, não acredita no que vê. O que era verdoso, de mata grande,
vistoso, com bicho zanzando por todo lugar, agora só a nudez em cinzas. Não,
não acredita, e então balança a cabeça sem acreditar.
O
mandacaru, contudo, permanece altivo, ainda que a catingueira já tenha
ressecado e o barro do tanque já tenha petrificado. De braços erguidos, sempre
levantados em direção aos céus, o velho mandacaru então preces, ora, faz
promessas, pede chuva e bonança, pede a salvação sertaneja.
E ao
sentar numa pedra, numa dessas pedras que parecem eternamente testemunhar o
viver sertanejo, o andante logo ouvirá surgindo de suas entranhas: “Nada
estranho. Nada de novo debaixo do sol. O sertão só é sertão por que é assim. O
oásis está na lágrima e o doce pão na semente não vingada no esturricado chão.
Mas eis que o tempo passa e tudo se renova. E assim num sertão que é um
Eclesiastes sem fim: há de morrer para viver, há de sofrer para reencontrar o
contentamento. E por aqui sempre passa uma mulher vestida de sol e me diz: Ouvi
a oração desse povo. E meu filho, lá do alto, atenderá seus pedidos. A chuva vem!”.
E de repente
cágados vão surgindo. Aparece um, mais outro e mais outro. E todo sertanejo
deveria saber que quando o cágado aparece do nada é porque a chuvarada já está
a caminho. O tempo muda, tudo parece escurecer. As nuvens prenhes tomam conta
dos espaços. As folhagens se agitam, o vento sopra a dor para trazer o sorriso.
Troveja,
relampeja, chove no sertão.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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