*Rangel Alves da Costa
O sertão é
um oratório a céu aberto. E um oratório de céu com feição tão sertaneja que
santos são criados pelo desejo do próprio povo.
Quem
haverá de dizer que Padim Ciço Romão Batista não é santo? Quem haverá de dizer
que Frei Damião não conduz a milagres?
A fé que
anima e move o seu povo é tamanha que tudo na vida passa a depender dos desejos
sagrados. E nada se faz sem as bençãos divinas.
Na
concepção da religiosidade sertaneja, nenhum tempo ruim permanecerá se o olhar
divino e salvador logo vai abrir a porta e entrar.
Daí as
dores e os sofrimentos, as angústias e as aflições, serem suportados pela fé
que logo tudo cessará. A seca braba esturrica e castiga, faz padecer e chorar,
mas Deus logo mandará chuva boa. É assim que se diz.
O pecado
do homem e a falta de obediência aos ensinamentos trazem a tristeza e o
sofrimento. É assim que se diz.
E há uma
certeza tamanha na reversão das angústias, que é como se tudo fosse apenas uma
privação ou provação passageira. É assim que, na concepção sertaneja, se
concebe o amanhã.
Mas para
que o amanhã realmente traga um tempo bom, necessário que os rosários de contas
caminhem pelas mãos, os joelhos se dobrem frente aos altares e oratórios, as
velas sejam acesas, as bocas murmurejem preces, orações, ave-marias.
E assim
também acontece diuturnamente. A fé, a devoção e a religiosidade estão em tudo
e por todo lugar. Há que se benzer desde o acordar ao deitar.
Os santos
são companhias milagrosas ao olhar, o coração se fortalece ante a visão de uma
imagem sagrada pendurada na parede, os terços e rosários são como inafastáveis
relíquias, as fitas de Juazeiro só saem dos braços pelo desejo do tempo.
Logo à
entrada da moradia uma escrita anuncia que a família é abençoada por Deus. As
flores de plástico são como jardins empoeirados ao lado dos santos. As novenas
vão levando de porta em porta o alimenta da fé.
Na
banquinha com toalha rendada e enfeitada de flores, a imagem devotada
alimentando a fé de um povo.
Os olhares
lacrimejam, os lábios se movem em canções, as mãos se cruzam rente ao peito,
então um escudo sagrado vai envolvendo o viver perante as dificuldades da vida.
Pelas
estradas nuas, secas, esturricadas, debaixo dos sóis, seguem os passos da fé em
procissão. Uma caminhada sem santa, um percurso na sequidão que se assemelha a
paraíso.
Encontrar
dez, quinze ou vinte pessoas, levando sua fé pelas estradas, pode até causar estranheza
ao de hoje. Quem não conhece os costumes religiosos, certamente irá estranhar
os meios e modos de devoção.
Porém,
basta a proximidade para saber e sentir o que move o passo daquele povo. Há um
estandarte e um santo, ou mesmo uma imagem sendo levada e passada de mão em
mão, mas há algo muito maior: a certeza que, pela fé e devoção, o milagre
acontecerá.
E qual
milagre? A cura, a chuva, a benção ao lar, a proteção sagrada, a demonstração
que se vive da fé e pela fé. E que, por isso mesmo, pela força da fé, Deus, os
santos e anjos, cuidarão de tornar suas esperanças em conquistas.
A chuva, a
terra molhada, a planta vingando, o alimento surgindo, e tudo o mais que se
deseje. E assim, pelas estradas, vai seguindo a procissão.
Lá no
alto, a vela do sol a tudo ilumina. E iluminados, os corações encontram seus
contentamentos e suas forças para seguir adiante. Pela vida inteira.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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