*Rangel Alves da Costa
Nossos
olhos abrem livros sem parar. Páginas e mais páginas diante do nosso olhar. Por
que não ler? Tal leitura não requer o entendimento das letras, a compreensão
das palavras ou a junção das ideias para um possível entendimento. Não. As
páginas abertas não mostram letras escritas, e sim a escrita do mundo, da vida,
do modo de ser e viver sertanejo.
Não será
preciso, pois, folhear, por exemplo, as páginas da história de Poço Redondo
para conhecer Poço Redondo. Tomo tal localidade como exemplo por ser meu berço
de nascimento. Nas imagens, nas paisagens, nos pequenos retratos cotidianos,
toda uma rica e vasta escrita. E que grandioso livro! A cidade evoluída, com
novas construções e feições que pouco lembram os tempos antigos, ainda assim
guarda em si valiosas páginas de sua história.
Nada é tão
novo que esconda o ontem, o passado. Tudo feito ou refeito, já existia de outra
forma no passado. Ora, as ruas possuem história, as casas possuem história, as
pessoas e as famílias são primordiais para o entendimento da história. Neste
sentido, uma casa antiga, já velha demais e parecendo querer desabar a qualquer
instante, sempre possui uma essência que precisa ser conhecida. Quem construiu,
quem morou ali, quem trancou sua porta pela última vez?
O
conhecimento vai sendo formado assim. A pessoa pode simplesmente passar e
sequer olha adiante, sempre achando que se trata de uma velharia que não mereça
qualquer atenção. Mas ali uma história. Quem sabe se os seus antepassados por
ali já estiveram com vida e presença? As calçadas também possuem importância
fundamental ao conhecimento. As calçadas, as cadeiras de balanço, as esteiras
lançadas ao chão ou cimento.
Aqueles
idosos que sentam ao entardecer ou que são avistados num cantinho de janela,
todos possuem histórias e relatos surpreendentes que precisam ser conhecidos. E
muitos deles ávidos e esperançosos de uma visitinha apenas. Nada demais, ainda
que na correria de todo instante, que se tire um tempinho para uma visita, para
um proseado, para compartilhar a alegria da valorização do outro. É que nas
feições marcadas de tempo, nos olhos cansados das noites e dias, nos pés
calejados da estrada, relíquias inteiras permanecem guardadas. E só descobre
tesouros do passado quem busca tempo para ouvir aqueles que vivenciaram suas
páginas e fizeram parte da grande saga sertaneja.
Muitos
relatos surgirão de como era Poço Redondo antigo, muitos ainda recordarão
histórias dos tempos cangaceiros e suas medonhices na povoação e arredores,
muitos ainda dirão sobre nomes, locais e fatos, que a poeira do tempo vai
querendo encobrir. Tudo isso está num livro que somente é de possível leitura
pela presença, pelo desejo de conhecer. Quanta leitura, por exemplo, numa curta
caminhada da cidade até o Poço de Cima, seguindo uma estrada de tanta história
a cada passo. Nada mais que dois ou três quilômetros.
Quem se
interessa em conhecer a capelinha do Poço Redondo, as sepulturas espalhadas ao
redor, as poucas casas que ainda restam dos primórdios da povoação? A maioria
das pessoas sabe que Poço Redondo nasceu em Poço de Cima, bem ao lado da atual
cidade, mas quantas pessoas seguem até lá para conhecer o que ainda resta? Não
só Poço de Cima como outros locais que ficam no entorno da cidade. Talvez a
preguiça de caminhar e até de olhar, impeça que a história seja conhecida
presencialmente.
O Alto de
João Paulo é um bom exemplo disso tudo. O nome é conhecido demais e todos sabem
que ali, logo após a passagem do Riacho Jacaré (cuja história também precisa
ser conhecida ao menos através do olhar) mora uma comunidade de feição
familiar. Mas quem foi João Paulo, qual o significado do Alto para a história
de Poço Redondo? Poucos sabem responder. Não sabem que o Alto foi berço de
grandes vaqueiros da região sertaneja, que dali saiu quase uma dezena de cangaceiros
para o bando de Lampião, que a casa de Adília ainda está ali, que nos Braz, nos
Mulatinho e nos Maximino, repousam uma saga de suma importância na formação de
Poço Redondo.
E por aí
vai. Ou não se vai. Se as pessoas saíssem mais da cidade e enveredassem pelas
estradas, pelos descampados e veredas, certamente iriam encontrar locais,
fazendas, moradias e pessoas, que são verdadeiras páginas visuais de um grande
livro de história. Mas infelizmente não é assim que acontece. Tem gente que
chega a Curralinho e não procura sequer conhecer a comunidade, suas casas
antigas e seu povo pacato. Nada sabe nem procura saber sobre suas igrejas,
sobre a importância histórica da comunidade, até sobre o próprio rio.
Sabe
apenas que é Rio São Francisco. Mas apenas um rio. E no imaginário, apenas um
rio que por ali passa e sem história alguma. Infelizmente é assim. Infelizmente
a preguiça de, através do olhar, conhecer a história e, a partir da admiração,
a busca de outras páginas, de outros relatos, de outras escritas.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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