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sexta-feira, 26 de maio de 2017

A INSUSTENTÁVEL VIOLÊNCIA NO SERTÃO SERGIPANO: UMA ROTINA DE SANGUE E DOR


*Rangel Alves da Costa


Ninguém suporta mais. Somente no município sertanejo de Poço Redondo, todos os dias ocorrem homicídios, e às vezes mais de um. E assim também por todo o sertão, como se a rotina agora fosse de morrer e não de viver. Um verdadeiro absurdo. Um caos definitivamente instalado em cidades e povoações de pessoas humildes e trabalhadoras. Não há, pois, um só dia, onde não se confirmem os boatos de mais uma vida que foi dizimada pela desenfreada criminalidade.
Nos últimos dias tudo parece ter desandado de vez. Os noticiários, os sites informativos e a imprensa escrita, repetem sempre a mesma manchete: Mais um assassinato no sertão sergipano! E mais um por que os dias anteriores foram também de mortes, numa soma de assassinatos que mais parece uma guerra aberta contra todos. Se toda a população sergipana se espanta ante estatísticas tão alarmantes, que se imagine a pacata população sertaneja. Tais fatos demonstram os motivos de o estado de Sergipe figurar como o terceiro mais violento do país.
Mas a realidade é esta, e de forma incontestável. Mesmo que as estatísticas governamentais façam malabarismos para dar outra feição aos fatos, as provas maiores estão nas famílias que todos os dias enterram os seus, no pranto derramado por esposas e filhos, por todos aqueles que choram seus próprios medos. E tudo geralmente acontecendo por meio de homens encapuzados em motos sem placas ou pelos ataques às próprias residências. Significa dizer que nem dentro de casa a pessoa está livre de ser alvejada a qualquer hora do dia ou da noite.
Triste de um povo que vive à mercê da violência pela violência. O sertanejo, já tão sofrido pelo próprio meio de difícil sobrevivência, tem agora de suportar as ameaças contínuas e de forçosamente conviver com a criminalidade a todo instante e por todo lugar, como se não pudesse mais encontrar um só instante de paz e sossego. Nas cidades, nas povoações, nos caminhos e veredas, e de repente a ação de violência extremada da bandidagem.
Num percurso histórico, verifica-se que a criminalidade sempre esteve atuante no sertão sergipano, porém uma criminalidade dentro do contexto próprio das violências e das ilicitudes cotidianas, como em qualquer lugar. Neste sentido é que as ocorrências de assassinatos eram bem caracterizadas, sendo mais em situações de rixas, vinganças e outras vinditas de sangue, e não como agora, onde se mata até sem motivação. Ciúmes, bebedeiras, um olhar mais feio em direção ao outro, agora tudo é motivo para o disparo da arma.
O autêntico sertanejo é cabra forte, valente, destemido, mas nunca foi de violência como a que se tem agora. A violência de outros tempos sempre envolvia questões de honra, de revides às agressões, de rixas alimentadas no ódio, de disputas por terras ou pelo nome de uma mocinha da família que havia sido desonrado pelo rapaz da outra família. Assim chegavam às raias de verdadeiras guerras particulares. Mas agora tudo se banalizou. Nem no tempo de Lampião e suas refregas contra as volantes, o sangue jorrava tão farto assim.
Ainda assim a fama de um sertão violento correu mundo. Até hoje o citadino olha com reserva para o sertanejo e o seu mundo, sempre enxergando nestes resquícios de um tempo de contendas, vinganças, juras de morte, perseguições, guerras cangaceiras e crimes de mando. Mas agora a fama se confirma pelas rotineiras tragédias. Diante dos fatos, não há mais como negar que a terra sertaneja virou palco do banditismo mais vil e mais covarde que possa existir.
O sangue então jorrado não é mais na vermelhidão abjeta das tocaias e emboscadas, mas numa covardia igualmente abominável, que é a da violência barata, pela simples violência. Verdade é que não há violência maior do que um sertanejo viver de porta fechada, tremendo lá dentro, por medo de bandidos que possam chegar a qualquer instante. Outro dia, ainda em Poço Redondo, chegaram de moto para matar um rapaz e acabaram também matando sua mãe. Quer dizer, até pessoas inocentes estão sendo vitimadas pelo terror.
Quais as motivações para tamanho aumento da criminalidade, o que está permitindo que o crime tenha alcançado total descontrole na terra sertaneja? Muitos fatores poderiam ser descritos em busca de uma resposta. Contudo, está na feição da segurança pública, ou na sua carência de efetividade naquela região, que tudo pode ser explicado. Para se ter uma noção dessa ausência, muitas delegacias não contam com mais de três policiais. Povoações existem onde os postos policiais ou estão desativados ou não possuem efetivo suficiente para garantir qualquer tipo de segurança à população.
Em Poço Redondo, onde até pouco tempo estava instalada uma guarnição do Batalhão da Caatinga - grupo policial especializado e sempre temido pela bandidagem -, já não conta com sua atuação diuturna no combate à criminalidade. Quer dizer, enquanto a bandidagem e a criminalidade aumentam, a atuação estatal diminui. Então fica difícil. Fica tudo ao deus dará mesmo. Ou ao sangue jorrando por todo lugar.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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