*Rangel Alves da Costa
Ninguém suporta mais. Somente no município
sertanejo de Poço Redondo, todos os dias ocorrem homicídios, e às vezes mais de
um. E assim também por todo o sertão, como se a rotina agora fosse de morrer e
não de viver. Um verdadeiro absurdo. Um caos definitivamente instalado em
cidades e povoações de pessoas humildes e trabalhadoras. Não há, pois, um só
dia, onde não se confirmem os boatos de mais uma vida que foi dizimada pela
desenfreada criminalidade.
Nos últimos dias tudo parece ter desandado de
vez. Os noticiários, os sites informativos e a imprensa escrita, repetem sempre
a mesma manchete: Mais um assassinato no sertão sergipano! E mais um por que os
dias anteriores foram também de mortes, numa soma de assassinatos que mais
parece uma guerra aberta contra todos. Se toda a população sergipana se espanta
ante estatísticas tão alarmantes, que se imagine a pacata população sertaneja.
Tais fatos demonstram os motivos de o estado de Sergipe figurar como o terceiro
mais violento do país.
Mas a realidade é esta, e de forma
incontestável. Mesmo que as estatísticas governamentais façam malabarismos para
dar outra feição aos fatos, as provas maiores estão nas famílias que todos os
dias enterram os seus, no pranto derramado por esposas e filhos, por todos
aqueles que choram seus próprios medos. E tudo geralmente acontecendo por meio
de homens encapuzados em motos sem placas ou pelos ataques às próprias
residências. Significa dizer que nem dentro de casa a pessoa está livre de ser
alvejada a qualquer hora do dia ou da noite.
Triste de um povo que vive à mercê da
violência pela violência. O sertanejo, já tão sofrido pelo próprio meio de
difícil sobrevivência, tem agora de suportar as ameaças contínuas e de
forçosamente conviver com a criminalidade a todo instante e por todo lugar,
como se não pudesse mais encontrar um só instante de paz e sossego. Nas
cidades, nas povoações, nos caminhos e veredas, e de repente a ação de violência
extremada da bandidagem.
Num percurso histórico, verifica-se que a
criminalidade sempre esteve atuante no sertão sergipano, porém uma
criminalidade dentro do contexto próprio das violências e das ilicitudes
cotidianas, como em qualquer lugar. Neste sentido é que as ocorrências de
assassinatos eram bem caracterizadas, sendo mais em situações de rixas,
vinganças e outras vinditas de sangue, e não como agora, onde se mata até sem
motivação. Ciúmes, bebedeiras, um olhar mais feio em direção ao outro, agora
tudo é motivo para o disparo da arma.
O autêntico sertanejo é cabra forte, valente,
destemido, mas nunca foi de violência como a que se tem agora. A violência de
outros tempos sempre envolvia questões de honra, de revides às agressões, de
rixas alimentadas no ódio, de disputas por terras ou pelo nome de uma mocinha
da família que havia sido desonrado pelo rapaz da outra família. Assim chegavam
às raias de verdadeiras guerras particulares. Mas agora tudo se banalizou. Nem
no tempo de Lampião e suas refregas contra as volantes, o sangue jorrava tão
farto assim.
Ainda assim a fama de um sertão violento
correu mundo. Até hoje o citadino olha com reserva para o sertanejo e o seu
mundo, sempre enxergando nestes resquícios de um tempo de contendas, vinganças,
juras de morte, perseguições, guerras cangaceiras e crimes de mando. Mas agora
a fama se confirma pelas rotineiras tragédias. Diante dos fatos, não há mais
como negar que a terra sertaneja virou palco do banditismo mais vil e mais
covarde que possa existir.
O sangue então jorrado não é mais na
vermelhidão abjeta das tocaias e emboscadas, mas numa covardia igualmente
abominável, que é a da violência barata, pela simples violência. Verdade é que
não há violência maior do que um sertanejo viver de porta fechada, tremendo lá
dentro, por medo de bandidos que possam chegar a qualquer instante. Outro dia,
ainda em Poço Redondo, chegaram de moto para matar um rapaz e acabaram também
matando sua mãe. Quer dizer, até pessoas inocentes estão sendo vitimadas pelo
terror.
Quais as motivações para tamanho aumento da
criminalidade, o que está permitindo que o crime tenha alcançado total
descontrole na terra sertaneja? Muitos fatores poderiam ser descritos em busca
de uma resposta. Contudo, está na feição da segurança pública, ou na sua
carência de efetividade naquela região, que tudo pode ser explicado. Para se
ter uma noção dessa ausência, muitas delegacias não contam com mais de três
policiais. Povoações existem onde os postos policiais ou estão desativados ou
não possuem efetivo suficiente para garantir qualquer tipo de segurança à
população.
Em Poço Redondo, onde até pouco tempo estava
instalada uma guarnição do Batalhão da Caatinga - grupo policial especializado
e sempre temido pela bandidagem -, já não conta com sua atuação diuturna no
combate à criminalidade. Quer dizer, enquanto a bandidagem e a criminalidade
aumentam, a atuação estatal diminui. Então fica difícil. Fica tudo ao deus dará
mesmo. Ou ao sangue jorrando por todo lugar.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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