*Rangel Alves da Costa
“Nas areias brancas o soluço das águas. Ou a
dança e o respingo das águas. Sem pedras no cais a chorar, apenas as conchas se
movem no fluxo e refluxo das ondas. Os corpos não estão deitados ao sol. Não há
criança brincando de castelo de areia. Banhistas não se lançam afoitos além de
onde é permitido. Apenas uma bruma que se perde ao longe. As águas descem sobra
as águas. Chove na praia, chuva no mar, olhar que se molha perdido em
pensamentos...”.
Assim alguém escreveu depois do encorajamento
de ir até a praia em dia de chuva forte. Sua intenção não era encontrar pessoas
deitadas ou caminhando pelas areias, pois sabia da solidão daquelas margens
perante tanta chuva caindo. Seu intento foi exatamente presenciar os inusitados
das águas da praia bebendo das águas da chuva, mas principalmente sentir aquele
espelho tão anuviado pelo dia chuvoso e talvez não experimentar sofrimentos
ante a beleza e a tristeza daquela paisagem.
Eu também gostaria muito de caminhar pelas
areias da praia em dia de chuva. E ontem seria o dia mais que ideal a tal
propósito. No meu pensamento, não há ocasião mais propícia para reflexões e
meditações sobre a poesia das águas, a solidão da praia, o silêncio cortado
apenas pelo barulho das ondas e da chuva caindo. Caminhar pela praia sem medo
de molhar, sem medo da chuva, sem medo da solidão nem das ilusões que surgissem
adiante das águas tantas.
Creio na infinita sensação de liberdade. Em
qualquer situação, a queda do pingo d’água sobre outras águas já motiva
sensações profundas, já desperta imagens mentais instigantes. E numa praia
então, perante aquela vastidão tão diferente em dias de sol e tão silenciosa,
solitária e triste em dias de chuva forte. Adiante do olhar sempre um retrato
molhado, chuvisquento, brumoso, mas tão profundamente tentador que a pessoa
imagina o que quiser enquanto caminha pela maciez encharcada.
Já há mais de cinco anos que não vou à
principal praia de Aracaju: Atalaia. Mas nesta terça-feira, diante das chuvas
fortes que desabaram sobre a cidade, inundando tudo, eis que me coloquei rente
ao portão e, enquanto os pingos grossos caíam logo adiante, fiquei imaginando
como estaria a Praia de Atalaia naquele momento. A tão bela praia e certamente
tornada em deserto o dia inteiro.
A Praia de Atalaia é linda, exuberante,
maravilhosa. Próxima ao centro da capital, todos os dias recebe muitos
visitantes nas suas areias brancas, na sua orla convidativa e nos seus
atrativos de canto a outro. Nos finais de semana então, fica totalmente tomada
por banhistas e visitantes. Mas quando a chuva cai tão forte como nesta
terça-feira? Indaguei e conclui que em dias assim, apenas de chuva e muita
chuva, a praia passa a possuir a serventia do encantamento.
Encantamento pela magia transposta pelas paisagens
molhadas, pelos pingos caindo sobre as águas, abrindo sulcos nas águas e se
alastrando em mais águas. Um pingo e outro pingo, água sobre água, como se nada
passasse de mesmice. Mas não. Não é apenas o pingo que desce e cai, que se
mistura, mas a junção de fatores que a tudo transforma em encantamento: a chuva
molhando a água, a chuva caindo sobre as águas, a chuva tornada em apenas água
em meio a tanto água.
Certamente que as areias estavam somente das
ondas, das conchas, da solidão. Aquelas vastidões bem diferentes dos dias
comuns, ensolarados, calorentos. Olhando-se de cima dos calçadões e avistando
somente os areais molhados, as ondas chegando e voltando, os pingos grossos
caindo e se misturando às águas e os vultos distantes de barcos e outras
embarcações. Momentos mágicos, poéticos, alegres e tristes ao mesmo tempo. E
únicos. Hoje já foi ensolarado desde o amanhecer. A Praia de Atalaia já era
outra. A poesia já havia ido embora.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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