SAIA DO SOL E DA CHUVA, ENTRE...

A morada é simples, é sertaneja, mas tem alimento para o espírito, amizade e afeto.



quarta-feira, 24 de maio de 2017

PRAIA EM DIA DE CHUVA FORTE


*Rangel Alves da Costa


“Nas areias brancas o soluço das águas. Ou a dança e o respingo das águas. Sem pedras no cais a chorar, apenas as conchas se movem no fluxo e refluxo das ondas. Os corpos não estão deitados ao sol. Não há criança brincando de castelo de areia. Banhistas não se lançam afoitos além de onde é permitido. Apenas uma bruma que se perde ao longe. As águas descem sobra as águas. Chove na praia, chuva no mar, olhar que se molha perdido em pensamentos...”.
Assim alguém escreveu depois do encorajamento de ir até a praia em dia de chuva forte. Sua intenção não era encontrar pessoas deitadas ou caminhando pelas areias, pois sabia da solidão daquelas margens perante tanta chuva caindo. Seu intento foi exatamente presenciar os inusitados das águas da praia bebendo das águas da chuva, mas principalmente sentir aquele espelho tão anuviado pelo dia chuvoso e talvez não experimentar sofrimentos ante a beleza e a tristeza daquela paisagem.
Eu também gostaria muito de caminhar pelas areias da praia em dia de chuva. E ontem seria o dia mais que ideal a tal propósito. No meu pensamento, não há ocasião mais propícia para reflexões e meditações sobre a poesia das águas, a solidão da praia, o silêncio cortado apenas pelo barulho das ondas e da chuva caindo. Caminhar pela praia sem medo de molhar, sem medo da chuva, sem medo da solidão nem das ilusões que surgissem adiante das águas tantas.
Creio na infinita sensação de liberdade. Em qualquer situação, a queda do pingo d’água sobre outras águas já motiva sensações profundas, já desperta imagens mentais instigantes. E numa praia então, perante aquela vastidão tão diferente em dias de sol e tão silenciosa, solitária e triste em dias de chuva forte. Adiante do olhar sempre um retrato molhado, chuvisquento, brumoso, mas tão profundamente tentador que a pessoa imagina o que quiser enquanto caminha pela maciez encharcada.
Já há mais de cinco anos que não vou à principal praia de Aracaju: Atalaia. Mas nesta terça-feira, diante das chuvas fortes que desabaram sobre a cidade, inundando tudo, eis que me coloquei rente ao portão e, enquanto os pingos grossos caíam logo adiante, fiquei imaginando como estaria a Praia de Atalaia naquele momento. A tão bela praia e certamente tornada em deserto o dia inteiro.
A Praia de Atalaia é linda, exuberante, maravilhosa. Próxima ao centro da capital, todos os dias recebe muitos visitantes nas suas areias brancas, na sua orla convidativa e nos seus atrativos de canto a outro. Nos finais de semana então, fica totalmente tomada por banhistas e visitantes. Mas quando a chuva cai tão forte como nesta terça-feira? Indaguei e conclui que em dias assim, apenas de chuva e muita chuva, a praia passa a possuir a serventia do encantamento.
Encantamento pela magia transposta pelas paisagens molhadas, pelos pingos caindo sobre as águas, abrindo sulcos nas águas e se alastrando em mais águas. Um pingo e outro pingo, água sobre água, como se nada passasse de mesmice. Mas não. Não é apenas o pingo que desce e cai, que se mistura, mas a junção de fatores que a tudo transforma em encantamento: a chuva molhando a água, a chuva caindo sobre as águas, a chuva tornada em apenas água em meio a tanto água.
Certamente que as areias estavam somente das ondas, das conchas, da solidão. Aquelas vastidões bem diferentes dos dias comuns, ensolarados, calorentos. Olhando-se de cima dos calçadões e avistando somente os areais molhados, as ondas chegando e voltando, os pingos grossos caindo e se misturando às águas e os vultos distantes de barcos e outras embarcações. Momentos mágicos, poéticos, alegres e tristes ao mesmo tempo. E únicos. Hoje já foi ensolarado desde o amanhecer. A Praia de Atalaia já era outra. A poesia já havia ido embora.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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