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domingo, 28 de maio de 2017

O LADRÃO DE IDADE


*Rangel Alves da Costa


Depois do cinquenta anos ele decidiu modificar seu calendário de aniversários. Daí em diante não mais seria a cada ano, na mesma data, sempre ficando um ano mais velho a cada ano.
Decidiu então que depois dos cinquenta e um, o seu próximo aniversário seria somente dois anos depois. Quer dizer, ao chegar a data era como se nada tivesse acontecido. Somente no ano seguinte é que completaria mais um ano de vida.
Significa dizer ainda que continuaria com cinquenta e um anos até dois anos depois. Somente a partir a partir de então é que comemoraria cinquenta e dois anos. O problema é que havia outras previsões um tanto estranhas no calendário imposto a si mesmo e aos demais.
E assim porque, dois anos após, assim que completasse cinquenta e dois anos, somente três anos depois é que completaria cinquenta e três anos. No calendário normal, já estaria com cinquenta e seis quando alegasse haver completado os cinquenta e dois anos.
Mas não parou aí não, pois ao completar cinquenta e três anos, já decidido estava que o seu próximo aniversário seria somente dali a quatro anos. Então, na soma dos anos ocultados por conta própria, ao chegar aos cinquenta e três já estava com setenta anos.
Quando completou cinquenta e quatro anos, igualmente resolvido estava que somente dali a cinco anos o seu próximo aniversário seria comemorado. Comemorado não, somado à sua idade, eis que, simplesmente negando ou não aceitando os anos passados, era como se cada ano se alongasse, por três, quatro, cinco ou mais anos.
A verdade é que chegou aos cem anos sem passar dos sessenta. Todo mundo achava estranho demais ele afirmar que só tinha cinquenta e cinco ou cinquenta e sete, quando claramente já demonstrava ter mais de noventa. “Acredite ou não, mas essa é minha idade. Quer ver meu documento?”. Mas nunca mostrava nada.
Não obstante isso, o velho (que ele não me leia) era metido a namorador. Vivia dando psiu às mocinhas, com o bolso cheio de bombons, piscando o olho e prometendo mundos e fundos. De vez em quando aparecia com uma rosa vermelha à mão para deixar numa janela.
Mas um dia, não suportando mais esse descaramento, eis que um seu sobrinho gaiato lançou mão de seu documento de identidade e saiu mostrando a um e a outro a verdadeira idade do tio. Espantos e mais espantos com a verdadeira idade do homem. E também risadas de não acabar mais.
Assim que soube do acontecido, que sua verdadeira idade já não podia ser negada perante todos, principalmente das mocinhas, o homem deu um piripaqui que morreu na hora. Caiu tão duro que mais parecia um jovem mesmo. Mas se alguém chegava junto á família para perguntar com quantos anos ele havia batido as botas, a resposta era a mesma: sei lá!
Na missa de corpo presente, o velho sacerdote foi do elogio ao escárnio: “Morreu tão jovem, na flor da idade, ainda cheio de vida. Quer dizer, morreu querendo ter a juventude que não tinha mais, como uma flor murcha que ainda pensa que perfuma, já no anoitecer de sua longa vida. E saber que os jovens morrem quanto mais alguém cuja juventude não era mais avistada nem de binóculo”.
Para evitar achincalhes, a família resolveu não colocar as datas de nascimento e de morte na cruz da sepultura. Que se fosse para dar conta, que desse lá em cima, perante o julgamento de seus merecimentos. Só não sabiam o que ele estava passando por causa disso exatamente lá em cima.
Lá em cima, logo no portão de entrada lhe veio a pergunta indesejada: Quantos anos o senhor tem? Antes de falar, olhou rapidamente pelos arredores e avistou umas defuntas novinhas, então respondeu: uns sessenta, ainda sou jovem, prafrentex, com tudo em cima.
Então foi devidamente encaminhado para outro portão, onde nem a sua velhice foi respeitada, pois logo jogado na fogueira eterna dos mentirosos e ladrões de idade.


Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com

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