*Rangel Alves da Costa
“Acorda, Marizete!”. De seu altar ou de onde
estiver, eis que o Padre Mário alegremente brada como a despertar aquela que
desde muito vem simbolizando a voz de fé da religiosidade católica de Poço
Redondo, município dos sertões sergipanos. Mas Marizete nunca dorme, pois
sempre pronta a entoar mais um canto de fé. Ela e tantas outras cujas vozes
representam a presença da Igreja na vida do humilde e religioso povo sertanejo.
Mas Marizete não é somente uma das “passarinhas”
de Padre Mário (as outras são Geovanete e Mazé de Iracema), e sim a própria
abnegação religiosa em pessoa. Não se importa ser chamada de beata, de
zeladora, do que quer que seja. Sua única preocupação é com a igreja em si, sua
limpeza, seus ofícios, como se ali fosse um seu segundo e sagrado lar. E só Deus
sabe a sua tristeza - e de tantos - com a casa sagrada sem telhado, sob sol e
chuva.
“As passarinhas do Padre Mário” bem poderiam
descansar suas vozes até que o telhado da matriz fosse refeito. Porém, como bem
disse o bom pastor, ali como uma barca nua, aberta no meio do tempo, a fé
navega sem medo de tormentas. Daí que tanto Padre Mário como Marizete e as
demais vozes da igreja, persistem nos seus ofícios de inabalável fé.
Tanto assim que ainda cedo do dia, enquanto a
cidade apenas desperta, a Igreja Matriz de Nossa Senhora da Conceição de Poço
Redondo já está de portas abertas para ecoar os cantos de fé, os hinos
religiosos, as orações e as rezas do povo sertanejo: “Ave Maria cheia de graça,
o Senhor é convosco; bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do
vosso ventre, Jesus. Santa Maria Mãe de Deus, rogai por nós pecadores agora e
na hora da nossa morte. Amém”.
Durante as missas e outros ofícios
religiosos, quando a igreja está tomada de fiéis e as devoções pulsam nos
corações com maior intensidade, um grupo de senhoras nas proximidades do altar,
com feições contritas e olhares voltados à Cruz do Senhor, entoam: “Dai-nos a
bênção, ó Virgem Mãe, penhor seguro de sumo bem. Dai-nos a bênção, ó Virgem Mãe, penhor seguro de sumo bem. Vós sois a
rosa de puro amor, encheis a terra de puro odor...”.
Em Poço Redondo, mais de perto na Matriz de
Nossa Senhora da Conceição de Poço Redondo, ouvir os cantos de fé é também
ouvir as plangências de vozes desde muito conhecidas por todos, algumas já
partidas para a eternidade e outras ainda em pleno vigor de oração: Marizete,
Mazé de Iracema, Geovanete, Idilane, Irlade e tantas outras. É como se a igreja
tristemente silenciasse se tais vozes não forem ouvidas e seus timbres não
sejam reconhecidos. Como que sonolenta, de cabeça baixa, vai Marizete em máxima
devoção: “A nós descei divina luz, a nós descei divina luz, em nossas almas
acendei o amor, o amor de Jesus, em nossas almas acendei o amor, o amor de
Jesus...”.
De suas vozes, e todas as vozes sertanejas,
as canções e os hinos tão sublimemente enaltecedores como tristonhos, eis que
também ecoados nos ofícios de despedidas, nas sentinelas e incelenças, como se
aquelas vozes fossem ecos de um além tão próximo de nós e a nos chamar à
reflexão da vida, da morte, da fé, da valorização das verdades cristãs. Assim
como o Ofício da Imaculada Conceição tão belamente cantado pela saudosa Maria
José de Zé Preto:
“Agora, lábios meus, dizei e anunciai os
grandes louvores da Virgem Mãe de Deus. Sede em meu favor, Virgem Soberana,
livrai-me do inimigo com o vosso valor. Glória seja ao Pai, ao Filho e ao Amor
também, que é um só Deus em Pessoas três, agora e sempre, e sem fim. Amém... Ouvi
Mãe de Deus, minha oração. Toquem vosso peito os clamores meus... Sede em meu
favor, Virgem Soberana, livrai-me do inimigo com o vosso valor...”.
Jamais poderei esquecer-me de tais vozes
durante uma missa em homenagem a meu pai Alcino, realizada defronte ao memorial
que leva o seu nome. Ali o Padre Mário, ali suas “passarinhas”, e quanto beleza
na interpretação de “Tu és a razão da jornada”: “Um dia escutei teu chamado,
divino recado, batendo no coração. Deixei desta vida as promessas e fui bem
depressa no rumo da tua mão. Tu és a razão da jornada, Tu és minha estrada, meu
guia e meu fim. No grito que vem do teu povo, Te escuto de novo chamando por
mim...”.
Por isso, nunca cale essa voz. Nunca calem
essas vozes. Por isso, “acorda, Marizete!”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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