*Rangel Alves da
Costa
Assim ele
disse um dia. Talvez ninguém tenha ouvido suas palavras, talvez suas palavras
tenham se perdido ao vento, talvez os seus ecos não mais ecoem suas verdades.
Contudo, o silêncio do tempo sempre cuida de preservar aquilo que ao homem
serviria como lição para o tempo e que vive. E por que faz assim? Simplesmente
por que certas palavras existem sem que tenham de ser ditas e guardadas, apenas
compreendidas como verdades inatas.
E talvez
tenha sido por isso que assim ele disse um dia. Mas quem? Um sábio, um profeta,
um deus, um filósofo, uma pessoa comum, um homem e sua palavra. Ou mesmo o
próprio tempo que foi recolhendo suas próprias lições e fez espalhar pelo mundo
seu breviário de sabedoria. Quem dera ter sido eu que do alto do monte, com a
mão segurando em cajado, tivesse falado como ele falou. Assim:
“Meu olhar
vai muito além do horizonte e de mais adiante, alcançando o primeiro grão de
areia da primeira estrada de tudo. Lá, onde tudo começou, eu estava. E o que
sou agora é também o que já fui desde aquele primeiro passo. Eis que sou fruto
de seres que são frutos de outros seres, desde o que sou e serei ao primeiro; desde
o que sou ao que foi o meu pai e todos aqueles que antes dele vieram.
Por isso
tenho nome e sobrenome que não dizem nada. Tudo falso e tudo ilusão, pois
talvez o homem seja esquecido se o seu nome não for lembrado. Por isso que meu
nome é sangue, é raiz, é linhagem, é ancestral, é hereditariedade, é passado.
Ninguém pode tirar do ser aquilo que está na sua alma, no seu espírito, na sua
ancestralidade. Por consequência, a morte jamais será fim de alguém. E ninguém
morreu desde aquele primeiro passo naquele primeiro grão de areia.
Então, que
digam ao homem que ele faz parte de família maior do que poderia imaginar.
Digam ao homem que sou seu sangue, vim da mesma raiz, que sou seu irmão, que
viemos do mesmo lar um dia aumentado com a chegada de tantos outros irmãos. E
muitos ainda virão. Digam ao homem que assim como sou seu irmão, aquele outro
desconhecido também o é. O rico e o pobre são seus irmãos, o sadio e o enfermo
também, todos, igualitária e indistintamente.
E creio
não ser da normalidade humana, de seres que pensam, raciocinam, sabem
distinguir o bem e o mal, a verdade e a mentira, e tudo o mais que os
diferencia dos irracionais e loucos, o desconhecimento e a desvalorização do
seu irmão. E são tantos e são todos irmãos. Irmãos desde aquele primeiro grão
no primeiro passo, e que continuam unidos pelos laços da hereditariedade no
tempo e do parentesco vindo daquele primeiro pai.
Vai de
encontro à vida, ao sentido da existência, que o menosprezo ao próximo, e que é
seu irmão, tantas vezes se transforme em ódio, em ameaça, em violência. Quando
um irmão tira sangue de outro está derramando o sangue de si mesmo, do próprio
corpo. Quando um irmão quer ou tenta destruir o outro, estará fazendo desabar
sobre si o seu próprio castelo. E quantos egoísmos, vaidades, arrogâncias,
brutalidades, situações que sempre acabam fazendo o caminho inverso. Ao erguer
a mão implorando ajuda, os outros irmãos temerão, por medo, qualquer
aproximação.
Mas eis a
força do tempo e das transformações. Haverá o dia do desconhecimento, do
esquecimento, mas também chegarão os tempos do arrependimento e da remissão. E
aquele que olha pra trás e consegue enxergar sua casa e sua família naquele
tempo primeiro, também conseguirá avistar todos os seus irmãos ao redor. E
jamais viverá na solidão ou no sofrimento”.
Assim as
palavras, assim as lições antigas. Ao menos assim é que ainda ouço ecoando no
vento.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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