*Rangel Alves da Costa
Nos sertões de tantos sóis e arrebóis
avermelhados de fogo das desesperanças e aflições, chega-me a canção de Alceu Valença
como lembrança das solidões que repousam nos arredores e nas distâncias.
Ecoa a canção dizendo que “A solidão é fera,
a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do tempo. E faz nossos relógios
caminharem lentos, causando um descompasso no meu coração. A solidão dos astros. A solidão da lua. A
solidão da noite. A solidão da rua...”.
A solidão nas solidões dos sertões secos,
esturricados, devastados de sóis. As solidões encontradas pelos olhares que
vagueiam em busca de alegria e contentamento e só avistam os rogos e as
aflições. As solidões entristecidas nos escondidos da alma de um povo.
Não há nada que provoque mais solidões do que
as estiagens prolongadas e as secas que se deitam sobre terra, gente e bicho,
como eternidades. Parece sumir tudo da terra, da gente, do bicho. E o que lhes
restam jaz em semblantes contritos de angústias e sofrimentos.
Num mundo de alvoroço e correria, de chegadas
e partidas, de vozes e algazarras, basta que as secas vão insistindo em ficar
para tudo se transformar em letargia e espantosa mudez. Tudo se fecha, some em
si mesmo, se contrai e se prostrai como casulo que vai definhando.
Daí surgirem as solidões sobre os sertões
queimados de sol, crespados pelo calor abrasado e chamejantes desde a fundura
da terra ao suor queimado descido dos rostos. Solidões que calam palavras e
chamam silenciosas orações ao pé das velas e velhos oratórios.
Daí brotarem as solidões nas calçadas
tristes, nas bocas sem conversa boa, nas palavras lamentosas pelos destinos de
desvalias. Solidões nos olhares que buscam as nuvens no céu, que divisam os
horizontes amanhecidos à procura daquelas cores de trovoadas.
Mas em cada sertanejo ecoando a canção de
Valença: “A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas prima irmã do
tempo. E faz nossos relógios caminharem lentos, causando um descompasso no meu
coração. A solidão dos astros. A solidão da lua. A solidão da noite. A solidão
da rua...”.
Solidões de sóis sertanejos por detrás das
portas e janelas dos casebres tristes. Naquilo onde havia vidas e afazeres, nas
malhadas onde havia bichos e correrias, nos quintais onde havia varais e
canções, agora somente o silêncio desolador e as ausências sem despedidas.
Solidões que avançam pelos caminhos
empoeirados, que correm apressadas pelas veredas de espinhos ressequidos, que
abrem cancelas e tomam como suas as vidas e os sonhos. E tudo fazem para que o
homem e o bicho se prostrem por cima da terra seca à espera dos urubus,
carcarás e gaviões.
Solidão e solidões em tudo e por todo lugar.
Na terra nua, na pedra esquecida no meio do tempo, no curral sem bicho e sem
vida, na cancela que já não range mais, na porteira que silenciou o seu bater,
na porta e na janela fechados, na vassoura esquecida num canto, no cesto de
juntar palma cortada.
Solidão e solidões se avolumando em cada
canto sertanejo. No homem que se vê desprovido de seu próprio mundo, no olhar
caboclo que se afunda em busca de barra de chuva, na gamela sem resto de
comida, no fogão de lenha sem brasa e panela, na moringa rachada por falta de
água.
Solidão e solidões que atormentam e fazem
agonizar por todo lugar. No bicho magro e ossudo que sequer se segura nas
patas, no mandacaru que vela de braços abertos o resto de tudo, na palma que se
encurvou em si mesma para morrer, no pássaro que já não canta e que já não
encontra folhagens para repousar.
Solidão e solidões em cada passo, em cada
curva, em cada visão adiante. No carro-de-boi esquecido debaixo do pé de pau,
na casinha triste que mais parece abandonada, na mulher e no homem que caminham
desolados e contritos a céu aberto, nos cemitérios das jurubebas e cactáceas de
beira de estrada.
Há, assim, uma espantosa solidão sertaneja a
cada seca que avança sem esperança de acabar. Tamanha solidão que vai se
juntando em solidões devastadoras. O próprio sentimento sertanejo comprova
isso: uma terrível sensação de quem nem mesmo em suas preces está sendo ouvido.
Não há aboio bonito nem toada festiva. Não há
grito da vaqueirama nem cantiga das lavadeiras na beira do riachinho. Mas
apenas a canção solidão: “A solidão é fera, a solidão devora. É amiga das horas
prima irmã do tempo. E faz nossos relógios caminharem lentos, causando um
descompasso no meu coração. A solidão dos astros. A solidão da lua. A solidão
da noite. A solidão da rua...”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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