*Rangel Alves da Costa
Afora as teorias conspiratórias envolvendo a
vida e a morte da bestialidade humana chamada Adolf Hitler, certamente que não
há outro fenômeno mais cheio de tramas, de teses e teorias, de mentiras e meias
verdades, e de distorções e ilusionismos investigativos, do que o cangaço.
O cangaço é, por assim dizer, o celeiro do
ainda e eternamente indecifrável. Ora, um mundo de estudiosos e pesquisadores
desde muito se debruça sobre o tema mas, ao invés de consensualização nas
descobertas, o que se tem é um surgimento ainda maior de labirintos. Daí
surgirem as teorias mais absurdas, as teses mais indefensáveis, os escritos
mais vergonhosos, as conclusões mais vexatórias.
Sim, muita coisa boa tem surgido também,
muita pesquisa há de ser reconhecida como essencial ao entendimento do
fenômeno. Porém, ante o emaranhado de livros, artigos e outros escritos, uma
obra respeitável acaba, muitas vezes, sendo apenas mais uma tentativa de
explicar o que nunca se chega a consenso. E tanta inovação vai surgindo perante
o mundo cangaceiro que até parece que muitos já não se preocupam mais com a
verdade histórica, mas tão somente com o prazer da invencionice e a propagação
de inverdades.
Eu também sou pesquisador do cangaço, escrevo
sobre o cangaço, enveredo na mata atrás de cenários cangaceiros. Meu trabalho
de pesquisador está muito mais voltado à pesquisa de campo e ao resgate de
localidades onde se deram as vinditas de sangue, envolvendo batalhas entre
cangaceiros e volantes, emboscadas, mortes, traições, crueldades e outros
fatos, que embora estarrecedores fazem parte da história. Muito eu li sobre o
cangaço. Já procurei saber e compreender o básico, de modo que agora evito
lançar o olhar em qualquer tese nova que vá surgindo. Agora prefiro entrar no
mato para depois relatar como faço agora:
No meio do
mato, sempre acompanhado por um cachorro, nas entranhas da Fazenda Coruripe em
Poço Redondo, sertão sergipano, apontando o local onde foi enterrado o
cangaceiro Canário em 38, morto à traição pelo também cangaceiro Penedinho.
Enterrado sem a cabeça, vez que a mesma fora levada como troféu macabro por Zé
Rufino, terrível e temido caçador de cangaceiros. É por isso que Totonho
Catingueira dizia: “Vosmicê num pisa no chão de Poço Redondo pra num pisar num
rastro de cangaceiro ou de volante. Tomem num anda num lugar pra não sentir um
vurto de cabra estirado. A mata aina zune. Aina hoje, eu mermo só entro no mato
com medo daquelas aparição, daqueles homens de sangue nos óio e venta sortano
fogo. Poço Redondo num era nem pra se chamar Poço redondo, mai Poço do Cangaço.
O cangaço inté parece que foi todim aqui. Ali foi um fogo, acolá foi uma
emboscada, mais adiante um acaba-mundo da gota serena. É cuma aina a sombra de
Lampião tivesse aqui, tomem de Corisco, de Zé Sereno, de Corisco, de Mané
Moreno e tudo mais. É cuma aina a gente ouvisse a bala zunindo e o grito de
dor. Menino, foi um escorrimento de sangue de num acabar mais. Eu mermo aina
sinto o cheiro suarento do cangaço e o fedor da volante. Pro todo lugar existe
cangaço, e aina como se o medo deixasse o cabelo em pé. Conheci a Véia Gerusa
que mermo adespois da morte de Lampião ainda continuava com saco arrumado pra
correr a quarqué hora. O maluquim Oreba continua dizeno que toda noite sonha
com a cangaceirama e que Lampião virou rei com coroa e tudo, e que seu reinado
é pelas banda da Maranduba, debaixo de um daquele sete umbuzeiro. Sei não, viu.
Sei não... Eita Poço Redondo das história cangaceira. Mai vou dizê uma coisa,
sem medo de errar: se as morte do cangaço fosse todinha marcada em cruz,
entonce Poço Redondo todim era um cemitero. Pro todo lugar haveria de ter uma
cruz, aqui debaixo dos meus pé, ainda debaixo do seu...”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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