*Rangel Alves da Costa
Homens da
lua e do sol. Gente do silêncio e da gritaria. Pessoas do rosário e do
mosquetão. Sertanejos do suor e do sangue. Nordestinos da luta e da valentia.
Andantes de veredas e caatingas. Viajantes de poeira e pó. Caminhantes na sede
e na fome. Destemidos dos carrascais e das flores da jurubeba. Sonhadores de
asas e de chão. Vultos de homens e almas penadas. Discípulos da sorte e da
morte. Apaixonados de ser entregar de corpo e alma e pelo amor tantas vezes
desalentados. Errantes de espinhos e sombras. Uns perversos, disse um. Uns
justiceiros, disse outro. Debaixo do sol queimante, encobertos por calor de
fornalhas, os cangaceiros seguiam com todos os olhos e ouvidos do mundo em
atenção. Mas só Lampião percebeu. Indo à frente, levantou a arma no braço direito
como sinal de aviso. Parem! Era o sinal. Quando levantou o outro braço e
segurou no alto a arma com as duas mãos, o aviso mais importante estava dado.
Prontidão para atacar! Então a cangaceirama se acoitou entre os tufos do mato,
foi cautelosamente avançando e, enfim, o primeiro disparo. Mais um, mais outro,
uma saraivada de balas. Gritos, gemidos, sangue jorrando no chão. Sertão,
sertão!
E ainda
hoje se canta:
Lá nos
tempos cangaceiros
de
catingueiras retorcidas
pelas
cuspidas dos mosquetões
guerras de
volantes e bandoleiros
acabando
com mundo e vidas
ensanguentando
os sertões
naqueles
tempos assim
de tufos
de mataria estalados
pela
correrias em veloz afobação
parecia
que tudo já era tempo de fim
na guerra
de bandoleiros e soldados
mas
enterrando de morte o sertão!
Naquele
encontro entre cangaceiros e volantes, com bala zunindo pra todo lado, quando o
sol raiou na manhã em meio a terrível cenário. Troncos recortados pelas balas,
pedras chamuscadas de pólvora, sangue aqui e acolá, o mato rasteiro mais
parecendo em devastação. Contudo, um estranho silêncio. Ou um terrível silêncio.
Nenhuma voz, nenhuma pisada no chão, nenhum grito, nenhum sinal de vida. Urubus
farejando uma carne morta, carnicentos em rasantes. Mas não havia sinal de
morte. As marcas do sangue estavam ali, mas não havia sinal de morte nem de um
nem do outro lado. O vento soprando fétido, agourento, como se quiser alguma
coisa dizer. Talvez os cangaceiros já tivessem partido em debandada. Talvez a
polícia volante já tivesse longe, muito longe, ante mais uma derrocada. A
verdade é que o silencio é assustador. Mas de repente um grito, outro grito.
Tiros, balas zunindo, estampidos pelo. Cangaceiros e volantes novamente
digladiam nos sertões. É uma acabação de mundo. Páginas de um dia de um sertão
sangrento.
E ainda
hoje se canta:
Era no
punhal e no cano de fogo
aquela
vindita de ódio e terror
de um lado
o opressor e do outro o oprimido
duas peças
de um brutal e terrível jogo
mas sem
vitorioso e também sem perdedor
causando
padecimento apenas ao sertão sofrido
era entre
a pedra e o tufo de catingueira
onde o
medonho jogo era jogado
na base do
encontro e da repentina fuga
antes que
chegasse o zunido da bala ligeira
e fosse
tombando gente por todo lado
como pé de
pau caído e derretido em fogueira.
Assim
aqueles sertões. Ou aquele sertão cangaceiro.
Escritor
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