*Rangel Alves da Costa
Sim,
pergunto novamente: o que é uma casa velha? Alguém sabe verdadeiramente me
dizer o que é o que significa uma casa velha? Creio que será prudente pensar e
repensar antes de responder. A resposta, contudo, requer que algumas
considerações.
Ao
contrário do que muitos imaginam, uma casa velha não é apenas uma casa
carcomida pelo tempo, desfigurada no telhado e nas paredes, com o barro
despencando, com portas e janelas aos farrapos, caindo aos pedaços.
Não é a
casa antiga, de portas fechadas ou sem portas, de janelas esburacadas ou sem
janelas, com frestas abertas ao vento e folhagens, com silêncios e mistérios em
suas entranhas. Não é aquela sem voz, sem passos, sem vestígios de moradores.
Uma casa
velha não é escombro nem aquela abandonada por não ter mais serventia. A casa
velha nem sempre é aquela que no passado era de moderna engenharia, mas que o
tempo foi apenas deteriorando sua existência. E tanto assim que as pessoas
apenas defronte a ela.
Uma casa
velha não possui somente aquela feição de barraco envelhecido de beira de estrada
ou aquela antiga moradia que agora dá lugar somente ao pó, às folhagens secas,
aos visitantes da mata.
Uma casa
velha não é somente aquela que o bater à porta não terá resposta de lá de
dentro, também não é aquela que parece somente enfeiar a paisagem,
principalmente se houver uma nova construção ao redor.
Uma casa
velha não é aquele onde seu bisavô morava ou seu avô já encontrou precisando
ser reformada. Não é aquela onde a pessoa entra com medo que a parede despenque,
que caia alguma ripa, ou que a cumeeira só resta em pedaços.
Nada disso
ou condiz com o que verdadeiramente seja uma casa velha. Até que se possa
imaginar tratar-se apenas de uma casa marcada pelo tempo, retorcida pela idade
ou desfigurada pela própria existência e dos seus em suas transformações.
Mas antes
da resposta mais uma indagação: um ser humano é ou não uma casa? Uma pessoa
jovem habita num corpo novo, numa casa nova. E aquela pessoa já envelhecida,
onde habitará o seu corpo?
Ou várias
indagações num mesmo sentido. As portas e as janelas de uma casa podem estar
num ser humano? As paredes, as dependências, as coberturas e as entranhas de
uma casa, podem também ser avistadas numa pessoa?
Onde mora
aquele corpo de longa caminhada, de cansaço do tempo, de muito viver para
contar? Onde está assentada a força, ou que lhe resta, daquele que tanto se
esmerou não apenas para continuar em pé, mas para caminhar com dignidade?
Logicamente
que numa casa velha. E essa pessoa deverá ser vista apenas como um velho
habitando numa casa velha, ou alguém que deve ser visto, olhado e considerado,
segundo seus passos até chegar à idade que chegou?
Ora, cada
ser envelhecido possui seu percurso de vida, seus feitos e realizações, sua
importância familiar e social. Em cada velho há um livro precioso que deve ser
admirado e valorizado por todos.
Em cada
velho há um repositório de infinitas lições. Somente a idade para tornar o ser
humano como guardião de sua própria história e das passadas gerações. E então,
a partir de tais considerações, será que já dá para imaginar o que seja uma
casa velha?
Ainda
assim mais direi. Uma casa velha guarda na sua feição - ainda que já desgastada
demais ou prestes a desabar - um mundo de histórias e vidas. Numa casa velha,
cada pedaço de barro, cada grão de areia, cada resto de qualquer coisa, pode
ser ainda juntado como memória de tudo.
Naquela
casa velha os pais criaram seus filhos, as gerações foram formadas, as portas e
janelas estiveram abertas às alegrias e também às aflições. Passos ali
chegando, saindo, desaparecendo de vez. Casa que envelhece mais ainda pelas
tristezas dos adeuses e despedidas.
Olhar para
uma casa velha é necessariamente avistar muito além de sua situação de momento,
pois a visão deve estar acompanhada de outras imagens: o passado, a história,
as vidas que por ali existiram!
Enxergar
uma casa velha adiante é igualmente sentir a presença de um tempo onde o fogão
de lenha preparava o alimento familiar, quando o café batido em pilão
aromatizava todos os espaços, quando a senhora saía à porta para gritar pela
criançada.
Um
tamborete rente à porta, uma moringa d’água no umbral da janela. Um cavalo
descansando ao redor, um menino brincando de ponta de vaca. Tudo ali naquela
casa velha. Basta que surjam tais recordações para aflorar a certeza da
importância de uma casa velha.
Sim, pode
estar envelhecida demais, mas jamais apagada do que representou no passado. Uma
casa velha é isso: um retrato de vida e de histórias, o fiel testemunho do que
ali aconteceu e do quanto saiu pela porta para seguir adiante. E ser, talvez, o
que você é.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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