*Rangel Alves da Costa
Resolvi, decidi, já bati o martelo: hoje não
vou escrever. Estou sem assunto, sem encorajamento, sem letra que me chegue com
prazer e alegria. Então, em instantes assim, melhor nada escrever.
Alguém me dizia que é melhor o silêncio do
que o grito na escrita. Mas nem gritar eu poderia. Os motivos são muitos, mas
relacionados a fatos que mais espantam que encorajem à escrita.
Eu gostaria muito de escrever sobre uma
revoada ao entardecer, sobre um por de sol entre as serras, sobre um vaga-lume
querendo ser o rei da noite e do mundo. E só por que vagueia com o seu pequeno
lume.
Seria muito poético para o momento. E não sou
poeta. Até hoje eu não entendo como Clarice Lispector conseguiu transformar sua
voz interior, tão cheia de dolorosas verdades, em escritos tidos como
romanceados.
Na verdade, eu gostaria mesmo de agora estar
deitado em cima de uma pedra grande, de rosto virado pra cima e com o olhar
tomado pela luz do luar. E mais que isso: contando estrela por estrela,
imaginando tudo aquilo lá em cima como um lugar bom pra viver.
Não é fácil a busca da aproximação da pessoa
consigo mesma, quando tudo parece distante. É como se a pessoa saísse de si
mesma e começasse a vagar por aí. Daí a falta de vontade de estar presente no
lugar que não saiu.
Talvez a chuva me fizesse bem nesse momento.
Sempre gosto quando a noite está molhada, chuviscando, com água escorrendo
pelos canteiros. Uma sensação nostálgica e até poética, de sentimentalismo e
forçado reencontro, mas um jeito bom de não ir muito distante de onde estou.
Não ouço grilos nem miados de gatos. Ainda
bem. Apenas o silêncio em silêncio. Uma valsa vienense me faria bem, mas estou
indisposto até para ligar a vitrola. Os personagens nos livros da estante
chamam meu nome. Mas hoje não conversarei com nenhum.
Minha intenção era nesta noite caminhar um
pouco mais pelo mundo de Jorge Amado. Gosto daquele mundo do cacau, dos
coronéis, de baianas com seus tabuleiros, de mocinhas sonhadoras e prostitutas
de beira de cais. Tocaias, emboscadas, coronéis tecendo a vida com seus ternos
de linho branco, um mundo que gosto de acompanhar.
Deixo para outro dia os coronéis amadianos. Nada
parece me despertar no momento. Penso em minha rede que já armada e no meu
cansaço adormecido na solidão. Deito sozinho no exercício de uma filosofia
existencial: a rede não nega a solidão. A pessoa vira de canto a outro e não
encontra ninguém.
Minha memória sequer deseja buscar uma
saudade. Mas também não é bom recordar um bem querer tão distante. Minha amada
longe está, e dela tão longe estou. Sinto falta de seu abraço, de sua presença,
mas a tudo suportando com a certeza de um breve reencontro.
Mas tenho que colocar água no fogo para um
cafezinho. Deu vontade e não posso fugir desse ritual amigueiro. O café
quentinho é meu amigo, sorvido aos poucos, como se estivesse adiante de um
velho pilão espalhando seus grãos morenos.
Sei que minha noite se vai assim. Num ir,
quase não ir. E indo porque tem de ir, mas seguindo pelos seus próprios passos,
já que eu continuo aqui com pouca vontade de tudo, de escrever e até de me
levantar de onde estou.
Dias que são assim, noites que insistem em
nos prostrar como num exílio forçado. E nos silenciar como se até a voz
interior também estivesse em mudez.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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