*Rangel Alves da Costa
Raí de Telma, Raí de Curralinho, ou o Rei Raí
do Velho Chico, seja qual for a forma para identificar esse abnegado moço de
aguçado senso de preservação histórica e cultural, e que desenvolve um trabalho
que precisa ser melhor conhecido e valorizado.
Ora, não é todo dia que encontramos um filho
da terra ribeirinha, gestado nas beiradas do São Francisco, que retribui ao seu
berço familiar com a luta pela preservação de sua história, da sociedade de
antigamente, da fé enraizada e cultuada desde os tempos mais antigos, de seus
aspectos culturais e geográficos e, principalmente, de suas belezas naturais.
Raí faz tudo isso com maestria e precisão.
Tecendo como uma arqueologia de seu Curralinho, ele vai buscando, escavando,
catando pedaços do glorioso passado daquela ribeira de águas passantes. E
também registrando pelas lentes tudo aquele remansoso modo de vida, o leito e
as curvas do rio, os barcos adormecidos nos beirais molhados, os casarios de
tantos fatos e histórias, as montanhas ao redor, o que resta da grandiosa
arquitetura local.
Raí não se cansa de ir atrás de antigos
retratos e depois repassá-los ao conhecimento de todos pelas redes sociais. E
ele tem uma página exclusiva: “Belezas de Curralinho”. Aquelas feições antigas,
aqueles rostos esbranquiçados ou amarelados da fotografia, tudo simbolizando a
grandeza de outrora daquela bela ribeira. Um Curralinho de calçadas altas e
olhos brilhosos e maravilhados pela chegada das grandes embarcações. Um
Curralinho de por de sol sem igual entre os montes e da poesia e dos cantos das
lavadeiras. Aquele Curralinho de Seu Neguinho, de Chico Bilato, de Dona
Perpétua, e de tantos outros de vivências anteriores. Curralinho de Valter, de
Ciano, de Seu Aloísio, de João de Virgílio, de Otaviano...
Tudo isso faz parte do resgate de Raí. E Raí
faz bem em fazer assim. Motivos há muitos para que guarde em páginas vivas toda
a grandeza de seu lugar. Curralinho precisa ser mais conhecido, mais admirado,
mais reconhecido na sua importância não só no surgimento do atual município de
Poço Redondo como no desbravamento dos sertões sergipanos. Mesmo que hoje
esteja apenas como uma página amarelada num álbum da história, Curralinho já
esteve assentado em letras douradas, em escritos que diziam de sua riqueza e
essencialidade.
Para uma ideia de sua importância - e, como
tal, deve ser reconhecido, preservado e valorizado -, Curralinho foi a porta de
entrada para todo o Poço Redondo. Num tempo aonde a única forma de se chegar
aos hostis sertões era através das águas do Velho Chico, foi em Curralinho que
um dia aportou a primeira leva de desbravadores que deram início à povoação.
Enquanto porto de chegada e partida de embarcações, as margens curralienses
eram responsáveis por todo o abastecimento da região. O açúcar, a farinha, o
café, a carne salgada, o tecido, tudo era desembarcado ali. E dali também
partindo o carvão, o algodão, a madeira, o couro, o feijão e o milho.
Depois de atravessar o rio, em 1874 o beato e
missionário Antônio Conselheiro, acompanhado de mais de uma dezena de fiéis
seguidores, deu forma e vida à igrejinha de Nossa Senhora da Conceição, ainda
bela e imponente no alto do monte curraliense. Em seguida, transformou em
estrada uma vereda fechada em direção aos sertões baianos, desde a beira do rio
até a divisa. A atual Estrada Histórica Antônio Curralinho, num percurso de 14
km entre a sede municipal e a beira do rio, e por muito tempo conhecida apenas
como Estrada de Curralinho, nasceu daquela saga do beato Conselheiro.
Curralinho nascido de um, dois, três currais,
na beira do rio. Os desbravadores chegavam do litoral e outras regiões,
trazendo levas de animais na bagagem. Para que não se perdessem sertões
adentro, então pequenos currais iam sendo levantados na beira do rio. Daí o
nome “curralinho”, ou curralzinho, ou ainda pequeno curral. Quando os animais
foram levados para outras localidades, aquelas beiradas de rio ficaram apenas
para as embarcações e o seus habitantes. Um povo que ribeirinho que bastava
lançar a rede para chegar peixe muito: tubarana, surubim, uma riqueza. Mas que
hoje, ante a magreza do rio, apenas lança o olhar de saudade.
Parabéns, Raí. Curralinho, Poço Redondo e os
sertões, precisam que o seu trabalho de coleta e preservação frutifique cada
vez mais. Que seja como as águas de seu rio: sempre passam, mas sempre chegam,
e sem jamais perder a poesia do encantamento.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário