*Rangel Alves da Costa
Não é todo mundo que acredita em história de
pescador ou de caçador. Dizem que é lorota boa ou simplesmente história pra boi
dormir. Mas eu acredito, principalmente se o causo envolver aventuras de
caçador. E quanto mais arrepiantes melhor.
Eu conheço um caçador que me conta cada uma
de não acreditar ou de deixar o cabelo em pé. E assim por que suas caçadas
sempre ocorrem no meio da noite e pelos caminhos sempre perigosos e medonhos da
escuridão.
Mas Bastião é homem sério. Assim, prefiro
acreditar a negar os relatos de suas aventuras no meio do mato, perante as tocas
de pedras e tufos nos escondidos. Mas mesmo acreditando, difícil não ficar com
alguma dúvida se a história contada aconteceu daquele jeito mesmo.
Segundo Bastião, caçar pelo dia, ainda que
aconteçam mais coisas mirabolantes e misteriosas do que se imagina existir, não
chega nem aos pés do que acontece depois da boca da noite. O caçador que entra
no mato no meio da escuridão pode saber que vai encontrar de tudo, desse e
doutro mundo.
Certa feita – nas palavras de Bastião -,
caminhava por uma vereda em noite de breu, quando de repente tudo clareou como se
fosse dia. Intrigado, já com cabelo arrepiado, olhou adiante e viu como se
fosse um cemitério. Só podia ser cemitério, pois um lugar cheio de cruzes
fincadas por riba de pequenos montes de terra.
Não pode ser, pensou Bastião. Aqui não há
cemitério algum, disse a si mesmo. Encontrou alguma força nas pernas e deu mais
alguns passos adiante. E foi quando conseguiu ler na madeira nas cruzes: O tatu
que você matou, o peba que você matou, a cotia que você matou, o veado que você
matou, a nambu que você matou, a onça que você matou...
E assim por diante. Acima de cada cova a
cruz, o nome do bicho e a seguir “que você matou”. O que seria aquilo, pelo
amor de Deus? Por que isso? Começou a se perguntar. O problema é que sabia que
já tinha matado todo tipo de bicho mesmo. Mas o mais agonizante veio com o que
avistou em seguida.
Lá no canto do tal cemitério de bichos, numa cova
parecendo maior e com mais quantidade de terra por riba, avistou, conseguiu ler
e quase desmaia. Lá estava escrito na cruz: “Aqui é pra você”. Passou a mão
pelos olhos, leu novamente e não teve dúvidas do que estava escrito: “Aqui é
pra você”.
Tremendo igual vara verde, já sem se
encontrar em si mesmo, só lembra que se preparou para fugir dali em correria.
Já aprumando o passo na maior velocidade que conseguiu encontrar, foi quando
ouviu um barulho e viu quando os bichos começavam a sair de suas covas.
“Ai minha Nossa Senhora do Caçador. Ai minha
Nossa Senhora da Cotia e do Guaxinim. Ai minha Nossa Senhora da Onça Pintada.
Ai minha Nossa Senhora do Mato, me salve minha Nossa Senhora!...”. Ia gritando
enquanto corria desembestado, na certeza maior do mundo de estar sendo seguido
pelos bichos mortos.
Não lembra como, só sabe que caiu e ficou
desacordado. Acordou já com o dia clareando e com uma caipora bem parada em sua
frente. Abriu mais os olhos e viu que o ser encantado das matas e fumador sem
igual, estava com feixe de cipós na mão, e em posição ameaçadora. E a ameaça
ganhou vida quando ouviu da caipora: “Ei, seu safado, trouxe meu rolo de fumo?”.
Não havia levado. Havia esquecido o fumo
daquela vez. Então já sabia o que iria lhe acontecer em seguida. Tomou uma
surra tão grande da caipora que chegou em casa mais parecendo um molambo cheio
de lanho e dor. Passou uma semana sem poder levantar da cama. E sonhando com
aquela cruz: “Aqui é pra você”.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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