*Rangel Alves da Costa
Rasquei meu caderno de poesia. Nunca tive
diário, mas um caixote cheio de escritos. E tudo rasguei. Quis rasgar minha
carteira de identidade, meu cadastro de pessoa física, meu título de eleitor.
Rasguei antigas fotografias e toquei fogo em cartas, bilhetes e outras vorazes
recordações. Joguei fora meu espelho de bolso e o espelho de parede. Evito abrir
a boca para dizer quem sou. Tudo faço para não prolongar nenhum diálogo. Não
desaparto, contudo, de um palito de dentes. Não para usar ou para espetar
qualquer coisa, mas tão somente evitar muitas coisas que não quero relembrar.
Quando a saudade aperta, então coloco o palito ante o olhar e fico pensando
somente nele. Quando chove e a nostalgia quer reacender lágrimas escondidas,
então pego o palito e fico pensando na sua utilidade no mundo. Quando alguma
canção me faz relembrar, então desligo a vitrola e fico pensando se o palito
cantasse. E assim vou vivendo, em exílio por desejo próprio, tendo como única
companhia um palito. Amigo inseparável e verdadeiro.
Escritor
blograngel-sertao.blogspot.com
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