ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: O PROFETA
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que em toda cidadezinha interiorana que se preza há um profeta e um doido. Nessa não poderia ser diferente, pois lá pras bandas do fim do mundo a pessoa mais importante e respeitada era exatamente um velho muito sábio, mais conhecido como profeta. Doido tinha também, mas eram tantos que nem cabe citar aqui.
Por sua sabedoria num lugar de ignorantes, muitas vezes até o sábio era tido como doido. Assim, as pessoas, ao procurá-lo para ouvir suas lições e grandes ensinamentos, se escutavam coisas que não interessavam logo diziam que não perderiam mais tempo ouvindo maluquices. Mas tudo era mesmo uma questão de não entender as entrelinhas do que ele afirmava.
Nesse passo, e no intuito de saber se o fim do mundo estava próximo, uma velha beata foi até a casinha do velho para indagá-lo. E este prontamente respondeu na mais alta sabedoria: “Depende de qual seja o mundo que está falando. Se for o mundo terreno vai demorar mais um tempo. Mas se for o seu mundo garanto que não vai nem dois dias”. E a mulher danou-se a chorar pela estrada.
Às escondidas, vez que o povo não poderia saber de suas visitas ao velho sábio, chegou o padre do lugar para mais uma consulta. E perguntou com quantos pecados a pessoa já estava com os dois pés lá nos abismos ardentes. Então o velho sábio respondeu-lhe:
“Se você for bom de matemática basta somar e saberá a resposta. Quanto dinheiro você pediu para trocar o telhado da igreja e botou na sua maletinha particular; quantos cálices de vinho você toma por noite, além de outras bebidas; quantas beatas já freqüentaram a sacristia para favores amorosos; quantos filhos você tem espalhados pela diocese; quantas ceroulas você já usou debaixo da batina? Some tudo e veja com quantos pecados a pessoa já está destinada e prometida ao fogo ardente dos pecadores”.
O padre prometeu que o excomungaria por aquelas blasfêmias e saiu correndo em preces, pedindo todos os perdões por tantos erros cometidos, quase tropeçando no cavalo do coronel dono do mundo que ia em direção à casinha do velho.
O coronel desceu todo apetrechado do seu animal, adentrou na porta do homem e foi logo dizendo o que queria: “Tô pra adquirir mais três propriedade, terra de num acabar mais e que vai até onde os óios num arcança mais. Só queria saber, cum a sabedoria que vosmicê tem, se vou fazer bom negoço de novo”.
E o velho prontamente falou: “Terra demais deve ser bom pra quem gosta de desunir a família. Se os seus herdeiros já estão querendo se matar por causa das terras que já tem, então imagine o que não vão fazer de olho nessas outras propriedades. Mesmo que compre, na verdade você não terá mais nada, pois o olho dos outros já tomou conta. E mais tarde, se muito tiver, são sete palmos de chão. Por isso acho melhor que vá comprar sete palmos de terra num lugar que eles nem saibam. Assim mais tarde poderá descansar em paz”.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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