ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: COISAS DA VOVÓ
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Quem já viveu plenamente a infância, quem arreliou enquanto criança, quem teve o prazer de viver sob os afagos e os gritos de uma avó, certamente poderá contar também essa história. Digo história e não estória porque dessa vez os fatos narrados são plenos de uma imensa e saudosa realidade.
Vovó bem velhinha, mais moça, cheia de reumatismo, vendendo saúde, alegre ou entristecida, sempre sorridente ou taciturna, calma ou afobada, saudosa demais ou compreensiva da realidade da vida, tudo avó. Rica ou pobre, milionária ou de morar em casinha de barro caído, tudo avó. E talvez o coração da vovó não saiba distinguir condição social ou modo de vida.
Pra onde vai, já vai pro quintal arreliar com os bichos, roubar ovos das galinhas, prender o rabo do gato, ensinar nome feio ao papagaio? Cuidado menino, cuidado que se eu perceber que você fez um tantinho assim vai ter de se ver comigo...
Num acredito que você fez isso de novo, seu moleque teimoso. Hein, quantas vezes eu já lhe disse que não é pra pular cerca ou passar debaixo de arame de quintal dos outros pra subir nas goiabeiras, jaqueiras, jabuticabeiras, mamoeiros. Só ontem recebi duas reclamações e hoje já me vem o vizinho dizer que não restou nenhuma goiaba no quintal dele. Tive que pagar dois contos de réis por sua culpa. Não repita mais isso, está ouvindo! Não se atreva a pegar no que é dos outros de jeito nenhum...
Já tomou o banho que desde cedo eu mando você tomar? Não é porque está de férias que vai querer ficar o dia todinho correndo descalço por cima de pau e pedra, nas estradas perigosas e até nos descampados desconhecidos. Mais tarde bote aqui esses dois pés que quero ver quantos espinhos estão aí dentro. Tenho certeza que sente doer, mas malino como é até finge que num tá sentindo nada. Cuida, anda, vai logo tomar esse banho e venha aqui sentar pertinho da vovó que vou lhe fazer cafuné...
Eu num acredito menino, eu num acredito de jeito nenhum. Uma roupa novinha e você já me aparece com ela dessa cor de carvão, toda torcida e desfiando, com os fundilhos rasgados. Aonde tá o seu chinelo menino, vá logo procurar antes que eu lhe dê umas palmadas na bunda. Cuide logo que depois eu vou lhe dar uma coisinha que você gosta muito, que é bolinho de chuva que a vovó preparou só pra o meu netinho...
E a vovó ficava zangada, brigava, gritava, esperneava, procurava o arreio, aparecia com uma palmatória, amedrontava com promessa de castigo, mas depois nada disso. Depois apenas uma avó cheia de encanto e carinho para com o neto, fazendo do pequenino o motivo maior de sua vida.
Coma esse pedaço de bolo de macaxeira com suco de graviola e depois venha aqui sentar no colo da vovó. Venha que vou contar uma estória bem bonita: “Era uma vez um passarinho que voou pra tão longe que não sabia mais como voltar...”
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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