TODO MUNDO SABE DE SUA VIDA (ATÉ O QUE FEZ ESCONDIDO) (Crônica)

TODO MUNDO SABE DE SUA VIDA (ATÉ O QUE FEZ ESCONDIDO)

                               Rangel Alves da Costa*

Se quiser pode começar vermelhar, empalidecer, desmaiar, mas a verdade é que todo mundo sabe de sua vida.

Se quiser pode correr, se esconder, dizer que vai se matar, mas infelizmente todo mundo sabe do curso e percurso de sua vida.

Se quiser pode logo ensaiar desculpa, justificativa, pensar em qualquer esfarrapada defesa, mas nada disso impedirá a certeza de que todo mundo sabe de sua vida.

Se quiser pode esculhambar com o outro, denegrir a imagem de todo mundo, tentar desqualificar o próximo e o desconhecido, mas nada disso impedirá que todos saibam de tudo que você fez e faz na sua vida.

Se quiser pode assumir logo os erros e os acertos, o bem e o mal que já fez, as virtudes e os pecados, as quedas e o levantar, e será melhor assim, mesmo que não vá adiantar, pois todo mundo sabe muito mais além disso.

Queira ou não, doa de ferir ou matar, mas não pode fugir da certeza: todo mundo sabe de sua vida. E o pior: até o que fez escondido. E ainda o que não fez, mas que ficou como feito assim mesmo.

Nem diga que é mentira, invenção, inverdade. Saiba que a verdade um dia fala mais alto. A solidez e firmeza da pedra também se transformam em pó. E qual a sua inabalável e inatacável estrutura humana?

A beleza que se esconde atrás do véu pode não ser a mesma no descuido que o vento causa; a fera faminta e sedenta se esconde atrás de sua mansidão; as águas mansas e calmas estão furiosas por baixo. E você, o que esconde? Nada. Absolutamente nada, pois todo mundo já sabe de tudo.

Sabe o que você fez no verão passado e na noite passada, e também o que fez pela metade ou deixou de fazer. Sua janela estava fechada e já sabiam que você estava indo em direção à porta. Sua porta nunca abriu e todo mundo sabia que você não estava em casa. E sabiam onde você estava, com quem e fazendo o que.

A sua mente puritana, séria e inocente demais já garantiu um lugar nos céus e ao lado dos justos? Você sabe que não e sabe o porquê não. E é isso que só você pensa que sabe sozinha, dentro de si e em segredo, que os outros sabem.

Aqueles sonhos em noites mal dormidas, aquelas vontades em noites acordadas, aqueles estranhos e perigosos pensamentos que chegam em noites assim, nem adianta pensar que tudo será esquecido. Na manhã seguinte todo mundo já sabe o que pensou e com quem pensou, e até o que fez, mesmo que não tenho feito absolutamente nada. A não ser no pensamento, logicamente.

Você caminha apressado, como quem foge ou quer despistar, e entra rapidamente numa esquina, e mais ligeiramente ainda se entoca em qualquer lugar e some. Mas que vã preocupação a sua. Há muito que já lhe olhavam, observavam ao longe, desde o primeiro passo que deu. E nem adiantava sumir, pois todo mundo já sabe o que foi fazer.

Para evitar tanta preocupação com você e com sua vida, com o que você faz ou deixou de fazer, até que seria bom dar um basta nisso tudo e deixar de ser você mesmo para ser o que os outros desejam ou pensam. Que roupa vestir, quando sair, para onde ir, com quem conversar, fazer o que no seu dia?

Ainda assim não agradaria a ninguém, nem a você mesmo. Os outros não querem a verdade sobre você, mas apenas e tão-somente criar as verdades que lhes sejam convenientes. É por isso que andam falando desse jeito de você por aí, e exatamente porque os outros já espalharam, ainda que mentirosamente, o que coce é e o que faz.

Sobre o bem que você faz, sobre suas virtudes, sua honra e seriedade, é melhor se acostumar com a serventia que terão pra si mesmo. Nada disso é reconhecido pelos demais, ainda que saibam – porque sabem tudo – que você é assim.

Talvez aí esteja a grande diferença entre Deus e o homem. Na sua onipresença, onisciência e onipotência, Deus está em tudo e em todos, sabe tudo e tem poder sobre tudo, mas ainda assim silencia para que o indivíduo escolha os seus próprios caminhos. Inversamente age o homem, que na sua ignorância quer abarcar o mundo e a vida do próximo para reduzi-los a restos ainda menores do que sua insignificância.

Poeta e cronista

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