ESTÓRIAS DOS QUATRO VENTOS: OS CORONÉIS JAGUNCISTAS
Rangel Alves da Costa*
Conto o que me contaram...
Dizem que a séculos passados, sob o sol ardente e o sangue dos inocentes e destemidos molhando a terra rachada, quando o latifúndio era o poder e o mandonismo era a ordem, os coronéis anteciparam o poema drummondiano: Coronel Quintiliano odiava o Coronel Tertuliano, que odiava o Coronel Ermerildo, que odiava todo mundo, menos a jagunçada.
Na verdade, ninguém com mando e poder podia odiar a jagunçada. Os jagunços eram seus mensageiros, seus escudos e emblemas, suas vozes mais ignorantes, seus atos quando era impossível dar cabo de qualquer coisa com as próprias mãos. Do mesmo modo que Antonil cita que os escravos eram os pés e as mãos do Senhor de Engenho, os jagunços o eram para os coronéis nprdestinos.
Certa vez, cá pras bandas do sertão nordestino, nos idos do coronelismo e da jagunçada, um senhor de terra e gente, numa intriga pra aumentar o latifúndio e pelo poder político, um desses mandonistas inventou uma mentira e ordenou que um dos seus cabras fosse soltá-la nos ouvidos do coronel inimigo.
O mensageiro, sabendo que não tinha acesso ao coronel, chegou pra um de seus jagunços e disse que avisasse ao patrão que o coronel fulano de tal iria lhe tocaiar para matar. Logicamente que o coronel era outro e não aquele a quem estava a mando, e tudo pra forçar um confronto entre eles.
Se a lógica acontecesse seria tudo claro demais. Inventando a mentira, o Coronel Quintiliano queria inimizar ainda mais e colocar em confronto aberto os Coroneis Tertuliano e Ermerildo. Dizendo que um iria matar o outro, logicamente que um se anteciparia e daria logo cabo da vida do inimigo. E seria menos um desafeto para o coronel mentiroso. Do outro daria um jeito para mandar tocaiar depois. Jagunço servia pra isso mesmo.
Só que o Coronel Quintiliano não estava esperando que tudo ocorresse de modo inesperado. Quando o Coronel Tertuliano soube da promessa de morte feita pelo Coronel Ermerildo, logo decidiu que se estava correndo risco de ser tocaiado, então teria que primeiro dar cabo à vida de um inimigo de longa jornada, pois não poderia morrer sem matar primeiro o temível concorrente e opositor Coronel Quintiliano. O mentiroso.
Esperando somente saber o resultado do confronto entre os outros dois coroneis, o Coronel Quintiliano ficou de corpo aberto, à mercê do enraivecimento dos capangas do Coronel Tertuliano. E quando saiu para galopar ao entardecer, e sem estar acompanhado de nenhum dos seus jagunços, recebeu um tirombaço vindo de trás de um tufo de mato.
Assim, tornou-se vítima da própria mentira. Mas talvez ainda consiga o desejado, pois os outros dois coroneis estão agora se armando ainda mais para aumentar sua força política e de mando sobre tudo e todos, mas principalmente pelas terras deixadas pelo coronel desaparecido.
De lado a lado os jagunços esquentaram suas armas. Dizem que foi o fim do mundo. Mas não. Apenas do mundo dos coronéis jaguncistas.
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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