A PROSTITUTA
Rangel Alves da Costa*
Nos tempos de antigamente, quando o sexo não estava tão banalizado, oferecido de esquina a esquina, no passo e meio da rua, na porta e dentro de casa, os cabarés, prostíbulos, mafuás ou casinhas de prazeres interioranos, possuíam elevada função na cultura sexual de um povo.
Nesses tempos – e que tempos de doces recordações! – havia uma nítida divisão entre as moças de bem e as moças da vida. De bem porque, ainda que putiassem mais que a mais quenga das putas, eram tidas como moças sérias, honestas, recatadas, guardando uma virgindade tão valorizada.
E moças da vida porque já saídas do zelo honrado da moral familiar e entregues à sorte da prostituição, da quengagem, da putaria e do relacionamento sexual desenfreado. Ainda assim, dentre estas, aquelas que tomavam os destinos dos cabarés e outras que passavam de mão em mão sem necessariamente estarem embaixo da luz vermelha esperando clientes.
Fato que deve ser observado é que as prostitutas nascidas no lugar ou arredores muito próximos geralmente não faziam vida, não passavam a vender seus dotes prazerosos nos prostíbulos ali localizados. Daí que uma verdadeira leva de quengagem, de quantidade que fazia estarrecer os moralistas, fazia vida particularmente, se entregando a qualquer um, porém sem poder ser encontrada sentada na mesa, com copo de bebida barata, ouvindo música brega.
Assim, os cabarés eram sortidos, com carne diversificada, com cores, gostos e sabores para todas as taras masculinas, mas sem poder se experimentar naquelas quatro paredes da carne safada e macia de uma conterrânea. Se uma mocinha desse na veneta e cismasse de sair pela porta de casa e entrar pela porta do cabaré seria o fim do mundo, uma conversa de não acabar mais, o assunto da vida inteira. E para a família a desonra maior, a morte em vida, tendo mesmo que se mudar de lugar de tão envergonhada que ficava.
Mas certa vez uma mocinha rompeu esse costume e deu um inevitável abalo no moralismo vigente. Bela, doce encanto de menina, meiga agrestina e cheia de formosura, sonho maior de qualquer rapaz do lugar. E quantos viviam no seu encalço, mandando recados, pedindo em namoro, enviando presentes. E talvez tivesse sido tanto assédio que fez valer a máxima da fragilidade da carne. Ou a outra desavergonhada dizendo que vontade demais come a mocinha sem ela saber. Mas ela acabou dando, e o pior é que perdeu o freio da bacurinha.
Depois que experimentou, furtivamente, os prazeres do sexo, não negou mais a si mesma que sua sina seria de rapariga, de prostituta, de quenga mais vagabunda, de rampeira passada de mão em mão. E começou a transar de graça, apenas pelo prazer sexual e pelo olho que chamava o homem escolhido. Contudo, tal disposição chegando aos ouvidos de uma cafetina que mantinha casa de luz vermelha, mudou totalmente a vida da mocinha.
Naqueles tempos já se prometia um mundo de endeusamento e glória pra quem desejasse putiar, prometendo fartura de clientes e dinheiro. A mocinha sabia que não, mas resolveu aceitar o convite e foi assim mesmo. Simplesmente arrumou a mala, nem olhou pra ninguém da família, e no outro passo já estava no quartinho devidamente mobiliado para a novidade da casa.
Tendo deixado o seio familiar, agora era produto cobiçado de venda. Sua vida se resumia agora em estar à disposição dos homens, fazendo sexo com qualquer um e a qualquer instante, e aos poucos momentos de solidão e recolhimento ali no seu castelo encantado. E que palácio: um quartinho cheirando a fumaça e a bebida, mas principalmente a sexo mal lavado, tendo num dos lados uma cama, uma mesinha de cabeceira, uma penteadeira, um balde sempre cheio de água e uma bacia onde era derramada a água putrefata que lavava o sexo de cada um depois da entrega amorosa. Mais adiante uma toalha imunda.
Ficou mais de dois anos sem colocar o rosto do lado de fora da porta do cabaré, achando que poderia ser vista por algum conhecido, familiar, ou amigo de outrora. Mas que tola ilusão a dessa mocinha, que dois anos após parecia já estar envelhecendo cedo demais. Aliás, com quatro anos ali dentro e já estava ultrapassada, desvalorizada, sem ter mais clientes.
Ainda nova, já era velha; quando mais velha, já era imprestável. E um dia lhe foi pedido que fizesse o favor de tirar suas coisas daquele quartinho, pois uma flor litorânea havia chegado para o renascimento do lugar e a festança da freguesia. Arrumou as coisas, mas só quando pegava o último batom por cima da penteadeira foi que lembrou que não tinha aonde ir.
Danou-se no mundo pela porta dos fundos, novamente sem olhar pra trás. Pegou a estrada e foi se oferecendo a todo cabaré de beira de estrada. Em alguns ficou coisa de mês, em outros coisa de dias. Até seguir mais adiante, seguir sempre mais adiante, com o corpo já flácido e fraquejante. Ainda jovem na idade, mas já velha na vida que se impôs.
Morreu já envelhecida demais, aos trinta e poucos anos, completamente nua e de pernas abertas num cruzamento de rodovia. Caminhoneiros achavam que ali era uma estranha macumba, um trabalho de encruzilhada. Mas não. Era um resto de vida.
Um dia isso foi notícia de jornal. Mas ninguém lembra mais. E quem haveria de lembrar-se da sorte ingrata de certas pessoas?
Poeta e cronista
e-mail: rangel_adv1@hotmail.com
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